quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

As aulas que não tive

Durante minha vida, não formulei planos que envolvessem qualquer tipo de relacionamento humano. Namoro, casamento, amizades, nada disso esteve ou está nos meus planos. Eu cresci ouvindo muitas coisas, como toda criança. Ouvi muitos nãos. Ouvi muitas críticas. Ouvi poucos elogios. A maioria deles acompanhado de um “na verdade, era sua obrigação ir bem”. Cresci em uma família que estimulava o menino que eu gostava a ficar com minha prima bonita de Minas. Eles eram o casal perfeito: ele muito inteligente e ela muito linda. Quando ele começou a gostar de mim e fez menção de me pedir em namoro para os meus pais, foi proibido de fazê-lo. Muitas fofocas rolaram e ele foi embora. E eu aprendi que meninas bonitas ficam com meninos bonitos e inteligentes.

Meninas como eu não fazem nada a não ser estudar, porque ninguém se interessa por meninas como eu. E quando se interessam, estão atrapalhando os grandes planos que fizeram para essa menina e que não incluem um rapaz do lado. Na verdade, os plano não incluíam ninguém, porque qualquer um seria distração para atingir o objetivo de fazer a menina construir seu futuro, que era estudar e ter profissão para poder se sustentar. Porque para mim não viam muito futuro: ou não ia me casar porque ninguém ia me querer, ou ia casar, mas ia me separar, porque sou insuportável e o cara ia acabar saindo com outras e tals. De forma que eu precisava me manter sozinha.

E depois desse primeiro menino, veio o grande amor da minha vida, aquele que nunca se apaga. Mas ele não se lembrava de mim na escola, a frase perfeita para me definir. Fato é que minha mãe sempre me dizia que eu me achava a rainha da Inglaterra, quando eu voltava da rua chorando por alguma humilhação sofrida no meio das crianças dos vizinhos. Minha mãe dizia que eu achava que elas estavam falando de mim, mas não estavam, porque eu não era tão importante assim. Que ninguém me notava, na verdade, eu que era paranóica. E que eu ia acabar sozinha porque eu não conseguia fazer amigos. Até hoje eu choro quando eu escuto a voz da minha mãe me dizendo essas coisas...

Bem, se você ouve da pessoa que supostamente mais deveria te amar nesse mundo que você não é importante e que as pessoas não falam de você porque você simplesmente não existe para elas, fica difícil você achar que existe para alguém. Cresci assim. Querendo não existir. Querendo não ser notada. Querendo que as coisas acabassem logo. E não foi surpresa ouvir que não se lembrava de mim na escola. Aliás, foi o que de menos cruel eu já ouvi de pessoas de quem eu gostei de verdade. Ele podia ter aproveitado que eu gostava tanto dele para me fazer de boba. Me humilhar. Se divertir às minhas custas. Mas não, ele não foi cruel comigo como tantas vezes haviam sido. Ele simplesmente disse que não se lembrava de mim e cada um foi para o seu lado.

Apesar de eu ter ficado triste e achado desnecessário ele falar aquilo, também fiquei aliviada por ver que ele não iria me submeter a uma humilhação pública e inesquecível só porque achava divertido ver alguém sendo humilhado. Ele era assim, falava o que pensava e resolvia tudo, não deixava nada pendente. E uma vez resolvido, ele deixava para trás. Talvez ele tenha ganhado meu respeito por ter sido a primeira pessoa que não gostava de mim, mas que me tratou como gente. Não xingou, não humilhou, não se aproveitou... Só disse uma frase e encerrou a conversa. Para sempre.

Tenho consciência de que o dito pela minha mãe não é verdade. Hoje sou adulta e posso até me defender melhor das coisas. Mas o fato é que eu cresci assim, sendo um nada. Afundei nos estudos e me relaciono bem com livros, mas não com pessoas. Sou um desastre com pessoas. Nunca sei o que dizer ou o que fazer. Porque eu não era importante, então eu não me relacionei com muita gente e evitei muito tipo de experiência para não sentir a mesma dor de quando criança. E hoje a mesma família que me criou para ser o que sou hoje, bem-sucedida em termos profissionais e financeiros, capaz de me manter sozinha, me deseja um grande amor de presente de natal e de ano novo. Parece que querem que eu faça uma operação de raiz quadrada quando eu sequer aprendi a somar direito. Todo mundo se incomoda com minha solidão. Todo mundo fica falando que eu preciso “encontrar um amor”, como se eu quisesse isso ou soubesse como arrumar algo assim.

Na verdade, minha tristeza é saber que eu não sei amar porque eu pulei as etapas, porque eu não aprendi a somar, subtrair, multiplicar e dividir, pra depois passar para operações mais complexas como a raiz quadrada. Daí eu voltar no tempo para saber o que aconteceu de verdade em 1990. Porque com ele eu tive a única e última oportunidade de começar a aprender a amar. Depois dele, eu fui tentando fazer divisão sem saber multiplicar e as contas terminaram todas erradas. Tem coisas que precisam ser vividas para serem aprendidas e para a gente levar para frente. Eu não tive essa oportunidade. Quando ele disse que não se lembrava de mim na escola, e depois ele foi embora daqui para sempre, eu entendi que aqueles eram sinais de que eu não vim para essa vida para aprender a amar. Eu vim para aprender muitas coisas, mas amar não era uma delas.

Tanto não sei amar que perdi um primo muito querido no começo de dezembro. Chorei, fiquei triste, mas muito mais pela dor das outras pessoas - filhos, a mãe dele, as irmãs - do que por sentir algum amor por ele. Acho que eu não amo ninguém, no final das contas. Não sei como fazer isso, amar as pessoas, seja homens, seja parentes, amigos, seja quem for. Fugi de todas as aulas. E quando não fugi, minha família ou a vida fez o favor de tirar a sala de aula ou o professor do meu caminho. Não tem coisa mais triste nesse mundo do que um ser humano que não sabe amar e não ama...

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