quinta-feira, 16 de julho de 2009

Surto brandoniano

Estou sofrendo terrivelmente... terrivelmente... Doença sem tratamento, sabe? O diagnóstico é esse do título, um surto brandoniano. O ser causador está nas fotos abaixo:






Bem, esse mês completou cinco anos que Marlon Brando nos deixou e o TCM está fazendo homenagem, toda segunda, passando um filme dele. Eu já tinha visto um ou outro filme com o Brando, mas nada que me fizesse prestar atenção, de verdade. Aí veio "Um Bonde Chamado Desejo", que no Brasil foi traduzido como "Uma Rua Chamada Desejo" ou algo assim... Depois "Sindicato dos Ladrões". E em seguida, no Cult, vi o divino "O Último Tango em Paris". Pronto! Fiquei doente.

No caso do "O Último Tango", eu assisti na terça-feira. Na quarta fiquei o dia inteiro com taquicardia e falta de ar. Hoje é quinta e ainda tô meio mal... Não sei explicar porque fiquei tão emocionada com o filme. Emocionada não, angustiada. Tenho vivido uma tremenda angústia desde que vi o filme. Ah, tá, tem o conteúdo erótico absurdo, mas não é isso que me emociona no filme, e sim o Brando. A interpretação de um personagem tão doente e desequilibrado... Como alguém consegue interpretar assim se não tiver a mesma experiência? Duvido que ele não tenha tido experiências profundas que o ajudassem a interpretar esse personagem e outros. Partindo desse pressuposto, como alguém consegue ser tão atormentado assim na vida real e não se matar? Como alguém consegue viver as coisas assim, tão intensamente? Eu tenho inveja profunda de quem consegue viver assim, mergulhar assim nos sentimentos.

Quando eu gosto de algo ou alguém, corro pro oráculo (o Google) para saber mais coisinhas. E também corro pro Youtube, claro. E eu achei no Youtube o que é, para mim, o melhor momento de "O Último Tango" e que me dispara o coração e a respiração. Nãoooooooooooooooooooooo, não é a cena da manteiga, e eu odeio saber que resumiram o filme de Bernardo Bertolucci à cena da manteiga. Que nas minhas pesquisas descobri ter sido uma cena sugerida pelo próprio Brando (conhecido como Fucker Machine ou algo do gênero...). A cena não estava no script, e ao ser proposta motivou um ataque de nervos de Maria Schneider, então com 19 anos. Ela jogou coisas no estúdio, gritou, chorou e não queria fazer a cena de sexo anal com a manteiga. Disse que chorou de verdade ao fazer a cena sugerida pelo Marlon Brando. Todo mundo presta tanta atenção na porra da manteiga que sequer ouve as frases que ele manda a personagem repetir, que faz uma definição medonha sobre a instituição familiar. Uma pena (e uma pobreza) o filme ter se resumido a uma cena apenas, uma pena mesmo.

A cena que eu mais amo nesse filme é o monólogo do Brando, em que ele fica ali uns 5 a 6 minutos falando da infância do seu personagem nos EUA. Depois que descobri a cena no Youtube, não consigo parar de ver. Presta atenção na iluminação. Presta atenção ao jogo de luz e sombra com o movimento da Maria Schneider, ela fora da cena. Presta atenção no ângulo da câmera, que não é de frente nem de perfil, e é como uma vista meio que de cima. Presta atenção nos tempos de respiração que ele faz durante a fala, nos suspiros, no arquear de sombrancelha, no pigarro, no tom de voz que sobe e desce, nas palavras emendadas ou mal pronunciadas, no olhar de quem está vendo as cenas do passado que está decrevendo, na movimentação das mãos, na mordida nos lábios. Não é uma coisa fantástica, tudo isso em uma cena na qual só vemos um rosto divino, lindíssimo, e ouvimos uma voz que mais rosna do que pronuncia as palavras? Não parece que ele está falando com a gente, ao invés de estar falando com o personagem da Maria? Quantos atores seriam capazes de fazer essa cena com essa mestria?



Lendo a biografia dele, e sabendo que ele é formado pelo Actors Studio, dentro da proposta de aproveitar suas próprias vivências para interpretar seus personagens, fico na dúvida sobre se ele estava mesmo interpretando nesse momento ou se contou para a gente algo que ocorreu com ele, na vida real. E o final, em que ele diz que talvez tenha contado a verdade para a personagem de Maria Schneider, com aquele sorriso, é o fecho perfeito para a cena perfeita do ator perfeito no filme perfeito.

PS - Na boa, eu acho que, se eu fosse atriz, não conseguiria fazer nenhuma cena com o Brando que fosse "técnica". Fala sério, quem é que conseguiria dar um beijo técnico ou um abraço técnico ou um agarrão técnico num homem desses???

quarta-feira, 8 de julho de 2009

M.

Ele perdeu tanta coisa... Ele não conheceu o computador. Muito menos a Internet. Twitter, blogs, Youtube, o que são essas coisas? Ele nunca usou um telefone celular. Aliás, ele nunca chegou perto de um celular na vida. Nada disso fez parte da sua vida. MP-3? Que isso, no máximo um walkman. Ele não viu o Collor cair. Ele não viu o que é viver em um país sem inflação. Ele nunca vai saber que o Brasil pagou a dívida externa junto ao FMI. Ele não viu as duas guerras do Iraque, a crise asiática, a nova crise do petróleo, a queda das Torres Gêmeas, a eleição do FHC nem a do Lula, o crescimento da China, o primeiro afrodescendente na presidência dos EUA. Ele não viu a seleção campeã em 94, nem o acidente de Ayrton Senna naquele mesmo ano. Nem o pentacampeonato da seleção. Ele nunca soube quem é Ronaldo Fenômeno. Ele não viu a virada do século, a ameaça do Bug do Milênio. Ele não terminou o colegial. Ele não prestou vestibular. Ele não ficou noivo. Ele não se casou. Nem teve filhos. Nem teve uma profissão. De fato, ele não teve a oportunidade de saber o que ele seria quando crescesse. Há 19 anos, a essa hora, ele estava sendo velado. Ou enterrado no Vila Formosa, não sei ao certo.

E eu nunca, nunca, nunca entendi por que eu o conheci - não o conheci, de fato, nem colegas éramos e a única vez que tentei falar com ele, ele respondeu: "eu não me lembro de você lá na escola." Por que ele cruzou meu caminho em 1989? Por que ele saiu em 1990? E por que ele se foi, com tanta gente ruim nesse mundo que não merecia estar aqui? Eu não sabia quase nada dele. Era bom menino, indicava, pois foi escoteiro. Mas tava virando adolescente chato, largando a escola. Não era um aluno brilhante, mas não era péssimo. Adorava camisetas de marca. Lançava moda. Era engraçado. Não fumava, pelo menos não na escola. Era amoroso com a professora de Biologia e as amigas. Era um bom amigo dos meninos. Tinha olhos castanhos muito expressivos. O cabelo mais pra preto, era cortado meio repicado na franja, jogada de lado. Tinha colar e pulseira de surfista. Tinha pintas charmosas no rosto. Um sorriso lindo. Um ar debochado e irônico. Era metido. Era o queridinho da escola, por ser o mais bonito. Namorou meio que escondido uma moça da escola, acho que para evitar fofoca. Ia na Toco e na Contra-Mão pra dançar. Tinha uma graninha, mas não era rico. Nem classe média média.

Sempre que eu penso nele, é como se fosse uma história não acabada na minha vida. Ele se foi, depois de um acidente de moto que, pelas fofocas da época, foi muito violento. E eu nunca pude me despedir de fato dele, acho que é por isso que parece uma história sem fim. Especialmente porque a última vez que eu o vi foi justamente a única em que eu tive coragem para falar com ele. E tomei uma senhora patada. Depois da patada, eu fiquei com raiva. Mais de mim do que dele. Porque eu sabia que seria daquela forma. Não o conhecia, mas sabia que, a qualquer tentativa minha, ele ia me dar um coice. E não era obrigação dele gostar de mim.

Me despedi dele com um "tá bom M.", virando as costas, chateada, enquanto minha mão esquerda, que tinha acabado de segurar o braço direito dele, entre o pulso e o cotovelo, ainda latejava pelo único contato físico que tivemos na vida. Que custava ele ser educado e responder por que não ia mais na escola? Eu desci a rua dele sentindo o braço dele na minha mão, que eu segurei para chamar a atenção dele e fazê-lo parar para conversar quando estávamos atravessando a rua. Eu e meus cabelos medonhos e aquele maldito aparelho de dentes. Magrela. Mal vestida. Usando óculos. E ele sempre cercado das meninas mais bonitas da escola. O nosso Tom Cruise.

Naquele dia de 1990 ele estava lindo, como sempre. Metidinho, como todo adolescente bonito e assediado aos 16, 17 anos. Eu sabia de cor as camisetas dele. Ele usava tênis Rainha azul escuro, sem cadarço e amassado no calcanhar, como se fosse chinelo. Meu irmão tinha um tênis igual e passou pra mim e eu usava igual a ele. Ele arregaçava e enrolava as mangas das camisetas nos ombros e elas viravam regatas. Eu fazia o mesmo. Ele sempre tava com pirulito, bala ou doce de amendoim, o que eram febres de todo mundo na escola. Eu sonhava com ele de olhos abertos, imaginando mil histórias. Eu era obcecada, doente por ele.

Eu olhava fixamente para ele, muito séria. O achava lindo e irritante. Ele achava que eu ia ficar sem graça e sustentava meu olhar. Havia dia em que passávamos quase que todo o intervalo (o recreio) olhando um pra cara do outro. Mas ele não se lembrava de mim na escola. Quando ele falou isso, ali naquele encontro na rua dele em meados de maio de 1990, acho, eu pensei que havia passado todo o ano de 1989 em estado de delírio. Achei que eu tinha imaginado que ele tinha me notado, e olhado para mim. Mas eu sei que não delirei. Ele podia me achar medonha, mas se divertia horrores com a guerrinha de olhar. Me lembro de vários episódios, como da minha melhor amiga me dizendo "pára com isso! Eu é que tô com vergonha!" de uma das vezes em que eu e ele estávamos nessa guerrinha. Ele tava com a camiseta bordô Pakalolo, calça jeans azul meio gasta e o infalível tênis Rainha de calcanhar dobrado. Eu chupava pirulito e ele comia, acho, um doce de amendoim. E a Gi batendo leve no meu ombro: "pára com isso!" E eu respondendo: "eu não, ele que pare." Acabei desistindo porque deu o sinal e a gente tinha de voltar para a classe.

E teve o dia em que eu quase cai de cara no bumbum dele. Ele tinha um bumbum lindo! E eu subi atrás dele, babando, e tropecei. A Gi riu muito. Teve o dia do metrô. Eu desci para a plataforma por uma escada e parei na linha amarela. Logo em seguida ele desceu na outra plataforma. Eu tava olhando pro chão e quando levantei os olhos ele estava do outro lado, o fosso da linha entre a gente. Ele disfarçou um sorriso e eu disfarcei um sorriso. O metrô chegou, entramos e eu fiquei encostada na porta, de lado, olhando pra ele de canto de olho. Ele desceu na mesma estação que eu, a Carrão. Só que ele ia pro lado direito e eu pro esquerdo. Esperei ele passar na minha frente, pra apreciar o moço de costas. Sério, ele tinha um bumbum lindo, o que eu podia fazer? E eu queria ver para onde ele ia. Fiquei na passarela do metrô vendo-o ir embora até ele sumir de vista. Pensando pra onde ele ia. Hospital? Casa de namorada? Ai que ciúme que me deu a ideia...

E teve também o último dia de aula em 1989, ano que por mim nunca deveria ter acabado. Nesse dia, eu fiquei com a Gi parada na escada rolante, olhando-o de longe, ele na fila do ônibus para ir embora. Eu só fui embora depois que o ônibus dele saiu. Isso demorou quase uma hora para acontecer. Ali achei que não o veria mais. Em 1990, a Gi mudou pra Publicidade e eu fiquei no normal pra prestar vestibular. Ele tinha se mudado para Publicidade. Mas estava matriculado no período da manhã. Um belo dia, ele apareceu à tarde, com caderno na mão. A Gi, nesse tempo, já era amiga de várias meninas que eram amiga dele no ano de 1989. Eu também conheci algumas na minha classe. Ele foi pra sala da Gi. Ela foi deixar o material e eu fiquei esperando por ela no final do corredor, antes de ir para o último andar, pois queria saber o que estava rolando.

Ele entrou na sala, deixou o material dele e voltou pro corredor, enquanto eu fui andando e parei no final pra esperar a Gi com notícias. Eu estava morta de vergonha porque tinha ido de saia aquele dia e minhas pernas são horríveis. Ela veio até mim e me contou: "ele mudou da manhã e vai estudar na minha sala!" Eu simplesmente fui escorregando até o chão, encostada na parede. Ele vendo tudo: eu esperando no final do corredor, a Gi chegando, ela me falando alguma coisa e eu escorregando até o chão... E a Gi: "menina, não faz assim!" E me puxou pra cima. Eu fiquei tão feliz que nem sabia o que fazer. Era a chance de ser amiga dele, pelo menos. E todo dia a Gi me dava relatório, apesar do nosso horário de intervalo não bater. Ela disse que ele era legal, pentelho porque ficava mexendo nas coisas dos outros, e que era muito palhação. Toda hora fazia as meninas rirem. Mas não durou nem duas semanas direito. Ele começou a mais faltar do que ir nas aulas. E ali por abril deixou de vez a escola. Ninguém sabia o que tinha acontecido.

Resolvi descobrir por conta. Eu sabia o sobrenome dele, que era incomum. Sabia onde ele pegava ônibus. Peguei a lista telefônica e o guia de ruas. Havia poucas pessoas com o sobrenome dele na lista de telefone. Achei dois endereços próximos de onde ele morava, mas apenas um era perto do ponto de ônibus em que ele ficava para ir pra escola. Vejam como eu realmente era obcecada por ele. Uma amiga minha pegava o mesmo ônibus que ele e eu a fiz prestar atenção em que ponto ele subia, daí eu fazer as deduções.

Descoberto o endereço e o telefone, fui lá na tal rua, ver se descobria a casa dele. Eu e uma amiga e uma amiga da minha amiga subindo a rua dele, vejo, há quase um quilômetro de distância (juro que não é mentira) uma figura descendo em direção a gente. Falei pra minha amiga: "vamos mudar de calçada porque ele tá vindo ali." Minha amiga duvidou: imagina, como eu ia saber que era ele àquela distância? E eu falando que era e era. A gente se aproximando. Não dava mais pra mudar de calçada sem ele nos ver. Minha amiga ficou besta por eu ter reconhecido M. de tão longe. Eu achei que devia me internar. E que ele devia ter medo de mim, porque tinha virado doença. Mas a gente acabou se cruzando na calçada, e ele fez uma cara de espanto para logo depois disfarçar. O menino era durão. Não queria dar bandeira. A gente subiu até o final da rua e começamos a descer. E ele voltou.

Na hora de atravessar uma das ruas, ele quase chegando na calçada e eu começando a atravessá-la, no que ele passou do meu lado, eu o segurei pelo braço e o chamei pelo nome. Ele me olhou muito feio. Muito mesmo. Achei que eu ia apanhar. Mas logo o olhar feio foi substituído pelo olhar debochado, brilhante como se estivesse sempre soltando faísca. Ele sempre teve um olhar debochado, daqueles bem insuportável. Mas ele podia, lindo do jeito que era. Eu perguntei a ele por que ele não estava mais indo na escola e ele respondeu que não se lembrava de mim na escola. Eu olhei pra ele e falei: "ah, qual é M.?" E ele repetiu, muito sério, olhando nos meus olhos: "eu não me lembro de você lá na escola". Eu dei um suspiro e falei: "tá bom, M.". Virei as costas, me juntei à minha amiga que estava me esperando do outro lado da rua, e continuei descendo, sem olhar para trás, sentindo raiva e vergonha. Daquele dia até a notícia da morte dele, eu não havia mais falado sobre ele com ninguém. Foi como se eu tivesse guardado ele num porão qualquer em que só eu podia entrar. Lembrava dele todo dia, mas não falava mais dele. Comecei a me isolar cada vez mais na escola.

Vieram as férias de julho, eu peguei catapora e só podia voltar em agosto para as aulas. Faltei no primeiro dia de aula depois das férias. Uma das meninas me ligou e contou de supetão: "o M. morreu". Disse que tinha um aviso da morte dele na escola e um convite para a missa de um mês. Eu gritei e chorei por uns 5 minutos. A Gi pegou o telefone, mas eu não conseguia falar e ela pediu pra chamar minha mãe, que falou com ela. De repente eu parei de chorar. Voltei ao telefone e comecei a contar da catapora que eu peguei da minha priminha, das coceiras, do pó branco que me transformou em fantasma. Como se nada tivesse acontecido. Eu simplesmente resolvi não acreditar em nada daquilo.

Fui à missa de um mês dele. Minha mãe deveria se encontrar comigo, mas desencontramos e ela seguiu direto para a igreja. Lá, na missa, eu assisti a tudo como se não fosse comigo. Eu não estava lá. Eu ouvia o nome do Marcelo, eu via as pessoas, mas estava em outra dimensão. Saí correndo da igreja, logo depois que perguntei a uma menina japonesa vestida de escoteira se era amiga dele e se sabia se ele tinha sido enterrado no Vila Formosa. Na descida, minha mãe me encontrou. Furiosa. Ela tinha se sentado junto da família dele e falado de mim. Ela achou que eu a tinha visto e ela jurou de pé junto que eu olhei pra ela. mas eu não a vi. Mesmo. Eu só queria sair dali. Ela achou que eu fingi e disse que ficou uma situação chata demais perante a família dele porque eu sumi. Mas eu realmente não a vi. Não vi ninguém. Eu fui, mas não estive lá na missa, de fato. Lembro de ver um moço parecido com ele abraçando uma moça loira que chorava muito, lembro de achar que a moça devia ser a namorada dele, e de mais nada.

Naquele dia de 1990, na rua da casa dele, eu fui embora certa de que nunca mais o veria e que ali morria meu segundo grande amor - o primeiro foi um primo que não era de sangue, e que conhecia desde os 4 ou 5 anos. Mal sabia que aquele encontro na rua com ele seria o último porque ele iria embora da vida de todos, não só da minha, de modo definitivo. Eu queria ter reclamado com ele, tentado fazer com que ele fosse pelo menos legal comigo. Mas ele não se lembrava de mim, e repetia isso. Eu escuto direitinho essa frase dele, até hoje. É como se ele estivesse na minha frente, pronunciando-a. Me lembro que achei a voz dele parecida com a do Piquet e muito feia, perto da beleza dele. E eu pensei, quando ele falou aquilo: é, por que ele se lembraria? Ele foi tudo na minha adolescência. Mas eu não era nada. Apenas mais uma feiosinha correndo atrás. Será que ele sabe, hoje, o tamanho da mágoa e do estrago que causou com um simples "eu não me lembro de você lá na escola"? Será que ele pediria desculpas para mim? Duvido. Mas mesmo assim, eu sofro até hoje por causa dele. E sinto que a história não se fechou porque eu não consegui me despedir do meu segundo grande amor como eu queria. Com um beijo no rosto e um seja feliz.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Elvis



Sou fã do Elvis Presley. Da fase romântica, que é o final da carreira dele. Amo os shows de 70. Amo o especial de 68. Para mim, Deus conseguiu, uma única vez, criar um ser absolutamente perfeito, o protótipo do deus grego que a gente pensa ser o ideal de beleza masculina. E ele criou dois deles, de uma vez. Porque Elvis tinha um irmão gêmeo, Jesse. Que morreu no nascimento, infelizmente, o que marcaria para sempre Elvis. Entre as muitas dúvidas existenciais de Elvis, uma era constante: por que não tinha sido ele a morrer, mas o irmão? E sua mãe estabeleceu uma forma de criar Elvis que era protetora por demais, e apegada por demais. O que é natural e compreensível, dado o trauma de perder o outro filho.

Por que estou falando de Elvis? Por causa de Michael Jackson. A bem dizer, MJ é o Elvis da minha geração, não no sentido de ser bom, pior ou melhor do que Elvis, mas de alguém que revolucionou a música da sua época. Elvis inventou o rock, dizem. Eu acho que o mérito dele não foi inventar o rock, mas lançar as bases do que seria a moderna carreira de um artista. Produtos com sua marca, shows por temporada, filmes, gerar e alimentar a histeria de fãs etc, coisa que só se aprofundou com sua morte. MJ seguiu a cartilha, mas a aprimorou, contando com maior apoio da mídia, em especial no que diz respeito a seus videoclipes, onde vimos as danças e roupas maravilhosas.

Ninguém é Elvis ou Michael do nada. Não tem marketing que sustente fenômenos assim por tanto tempo se eles não tiverem uma carga extra de talento, um diferencial de todo o resto. Marketing ajuda. Quem é muito bom, sem marketing, não vai a lugar algum. Quem é muito ruim, com marketing, pode se sustentar um tempo. Mas cai no esquecimento, na vala-comum dos mortais. Essa é minha teoria.

Hoje, fãs se digladiam para provar que Elvis era melhor que Michael. Que Beatles era melhor que Elvis... Bobagem... Gosto não se discute. Gosto de Beatles, mas meu coração bate forte quando ouço Elvis. Como é que vou achar Beatles melhor? Elvis fazendo improvisos nos ensaios dos shows, ou cantando ao vivo... parece que ele não faz a menor força para nada. Nunca. A voz sai, as risadas saem, as piadas saem, os olhares maliciosos saem, os sorrisos tímidos e brincalhões saem... tudo assim, natural, normal. O que me espanta em Elvis é essa naturalidade, essa impressão de que está tudo ali e ele nem vê. Ele vai usando... a voz, o corpo, os gestos, olhares, tudo. E sem pensar, sem ter consciência de nada.

Claro que há similaridades nas mortes de Elvis e Michael. Ambos foram pessoas infelizes. Tinham momentos de felicidade, mas parece que se colocarem na balança, verão que os de infelicidade predominaram em suas vidas. O problema dessas pessoas, me parece, é o excesso de criatividade que os faz ser bem-sucedidos em quase todas as ideias novas, que viram grande sucesso de maneira quase imediata. Elas são aprisionadas naquele universo dos negócios da música exatamente por serem extremamente criativos e bem-sucedidos em suas novas propostas. E, como pessoas criativas em extremo, não conseguem dar vazão a isso depois que são amarradas pelo sucesso do que estão fazendo.

Elvis teve muitos problemas para se reinventar, para deixar de ser o moço que rebola, canta como negro, que empolgava as moças, e mudar, assumir que era um coroa que atingiu o ápice na qualidade da voz, e tinha de crescer junto com seus fãs. Todo artista que começa jovem se depara com o dilema de ver seus fãs crescerem. Perderem público. Perderem venda de disco ou CD ou público de filme. Aí entra a máquina de moer gente da indústria do show business.

Elvis foi massacrado por ela. Não quero dizer que ele não tenha tido responsabilidade sobre isso. Mas as pessoas precisam entender que pessoas como Elvis e Michael não é gente para se preocupar com coisas mundanas. Eles vivem em outro plano. Essa mente criativa deles não permite que eles vivam na Terra e pensem em dinheiro ou em comer ou em casar... O problema de gente como eles é que, muitos, cabeça na lua que são, precisam de ajuda em todos os níveis da suas vidas, mas infelizmente acabam sendo mal assessorados.

A família e os amigos, além do exploradores e falsos de plantão, sempre estão por perto. E elas percebem alguns dos absurdos que pessoas como Elvis e Michael cometem. Mas, de início, elas preferem convenientemente não falar nada, não criticar, não botar limite. Porque elas querem manter o privilégio de ser próximo de pessoas como Elvis e Michael. De usufruir da fama. Do dinheiro. Das mordomias. E esses caras vão fazendo coisas cada vez mais malucas, para dar vazão a criatividade, presa no cotidiano de "vamos continuar a fazer o que estamos fazendo porque dá certo e dá dinheiro". Quando assessores e familiares dão por si, já é tarde demais. Eles estão incontroláveis e perderam totalmente o senso de realidade.

E eles perdem o senso de realidade cada vez mais rápido quanto mais são tolidos em sua criatividade, em seus planos para dar vazão ao que criam ou ao que gostariam de experimentar. Não posso falar por Michael, porque eu não sei quase nada da carreira dele. Mas do Elvis eu sei um pouco. Com ele a máquina foi implacável. E atendia pelo nome de Coronel Parker.

Elvis começou aos 19 como cantor. Era totalmente excêntrico e fora de qualquer padrão vigente em sua época. Seu sonho passou a ser fazer filmes. Mas ele tinha um desejo honesto de ser ator importante, profissional. Ele queria ser um Marlon Brandon. Queria papéis sérios. E ele tinha potencial para fazê-los, é só conferir nos filmes que não são água com açúcar. Mas ele começou modestamente, com papéis mais simples. Porque Parker viu a mina de ouro que seria colocar o menino para cantar nas telonas. Para Elvis, o lance era aprender a atuar. Para Parker, o lance era ele continuar cantando, mas em outra mídia. E faturando. Alto. Muito alto.

E o que era uma oportunidade para Elvis, filmes em que ele podia ir aprendendo a ser ator até conseguir um papel importante e mostrar seu valor, virou uma rotina de filmes melados, em que, do nada, ele saía cantando ou socando alguém em busca da mocinha do filme. O primeiro, o terceiro filmes... tudo bem. Mas virou rotina. E toda rotina é o oposto da criatividade. E assim a máquina, que não mexe em time que está ganhando, ia moendo Elvis e sua criatividade, enquanto Parker via Elvis torrar o dinheiro que ganhava, sem fazer nada para cortar esse círculo. E por que Parker cortaria? Se o fizesse, Elvis seria menos dependente dele, porque ele não precisaria fazer tanto dinheiro, não é verdade?

Finalmente os tais filmes começaram a não dar tanto dinheiro e Elvis atingiu o limite do chamado "saco cheio". Aí veio a retomada da carreira de cantor. Anos sem fazer shows, só nas telonas, e fazendo musiquinhas meladas. Mas ele quer cantar ao vivo. Vem o especial Come Back de 68, uma das coisas mais deliciosas que eu já assisti na vida. Ele está mais lindo do que nunca, e a voz mais perfeita do que nunca. Com esse sucesso, a ideia de fazer temporadas de shows. E de 1969 até morrer, Elvis e sua criatividade novamente são massacrados pela rotina imposta pela máquina que precisa gerar dinheiro. Algo que serviu para liberar sua criatividade, os shows duraram anos e anos. E lá estava Elvis preso à rotina novamente.

Ele saiu da ditadura da rotina dos filmes para a ditadura da rotina dos shows. Preso no círculo ganhar-gastar dinheiro, porque pessoas como ele não pensam nesse mundo prático, a cabeça delas sempre está em outro lugar. Ele foi até onde deu. E terminou intoxicado de remédio. Pra dormir, pra acordar, pra comer, pra parar de comer, Elvis tinha um remédio pra cada uma das coisas que precisava fazer, praticamente... Terminou sozinho, sufocado no tapete de seu banheiro, onde caiu de rosto e de onde nunca mais se levantou.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Tem horas que é melhor ser surda...

Bem, eu estava em quarentena em casa. Por causa dessa gripe medonha que está matando gente e derrubando ministros por aí. Eu não tinha e não tive nenhum sintoma de gripe. Mas uma prima de segundo grau teve um aluno com a doença, e a gente saiu juntas. E ela teve um gripe forte, que até agora não sabe se é a gripe suína (não sei a sigla do nome correto, então vai no jargão popular mesmo). Por prevenção e senso de responsabilidade, achei melhor eu ficar mais em casa e isolada, até ver se eu teria a doença ou não e saber se minha prima estava com a tal influenza.

Bem, a mãe dela, que é minha prima de primeiro grau, também está gripada. Pegou da filha. Mas ela, diferente de mim, está trabalhando normalmente. A Vigilância Sanitária foi até a casa dela. Falou para que elas ficassem isoladas, porque, na dúvida, manda a ciência e o sistema de saúde, trabalhe com o pior cenário. No caso delas, o pior cenário é o exame dar positivo para o vírus. Então, como prevenção, vamos ficar em casa.

Minha prima (a de primeiro grau) fez aniversário e eu liguei para ela para dar parabéns. A contragosto. Não queria ter ligado. Porque eu acho uma tremenda irresponsabilidade dela fazer o que está fazendo. Mas liguei, já sabendo que eu ia ouvir merda sobre o assunto, porque eu conheço a família que eu tenho. E pensei que aquela era uma boa hora para eu surda. Ela veio argumentar comigo sobre essa gripe ser algo menos importante do que falam, porque eu, sem sintoma, fiquei de quarentena, e ela não. Ela veio tentar me convencer de que está agindo certo. Sabe aquela pessoa que tá fazendo merda e fica tentando se justificar? Foi isso que ela fez. Tipo: eu sou exagerada, e ela que é correta, porque, no fim das contas, é um exagero mesmo o que estão fazendo...

Tive de ouvir coisas do tipo "o médico que atendeu minha filha disse que é um exagero o que estão fazendo em relação a essa gripe"... "todo dia morre gente por causa de pneumonia".... "todo dia morre criança com diarréia em hospital"... "ai, é muito complicado para mim trabalhar em casa"... "meu chefe mandou eu vir trabalhar mesmo doente porque ele também acha que é um exagero"... Sabe aquela vontade de perguntar pra pessoa se ela é ignorante assim sempre ou se ela tá só fingindo pra consciência dela ficar em paz com a merda que tá fazendo?

E o pior de tudo é que eu tenho a mais absoluta e plena convicção de que eu sou e serei criticada por ela e por uma turba de ignorantes como ela por ter sido exagerada na minha prevenção, ao fazer uma quarentena. Enquanto ela me critica, posa de coitadinha ainda. Totalmente irritante. Eu odeio saber que pessoas de quem eu gosto ficam falando mal de mim pelas costas. Mas eu odeio ainda mais saber que as pessoas falam mal de mim quando eu estou agindo certa e elas não. Além da mágoa pela coisa do falar pelas costas e não me dar chance de defesa, tenho ainda de suportar a injustiça de receber crítica por estar agindo certo, pensando de forma preventiva, para não passar uma doença grave para outras pessoas.

Não sou pessoa de gastar tempo e energia desejando mal pros outros. Nem mesmo para quem eu detesto. Eu não perco tempo e energia com gente que não presta, com gente que eu não gosto. Ignoro solenemente. Se tá vivo ou morto, tanto faz, estando longe de mim e não me prejudicando, pode tocar a vida sossegado que não tô nem aí pra essas pessoas. Claro que se algo de ruim acontece com uma delas, eu sempre digo bem-feito. Sou ruinzinha mesmo. Tanto que dessa vez eu estou torcendo pra o exame da minha prima de segundo grau dar positivo. Porque se der, a mãe dela vai ter fazer exame (isso se ela não preferir continuar sendo irresponsável) e aí vão embargar a casa e o serviço dela. E seria ótimo um cala boca desse tipo em gente ignorante assim, como ela e o chefinho dela...

Se bem que não duvido nada que ela não faça o exame, mesmo o da filha dando positivo, porque o chefinho dela vai mandar ela ficar quieta para não prejudicar os negócios, e é assim que uma doença que podia estar sob controle deixa de estar, com gente irresponsável encobrindo as merdas que faz. E ela vai acatar a ordem do chefinho, claro. Espero que o chefinho nunca mande a minha prima tomar veneno... Não por ela, mas pela mãe dela, que é minha segunda mãe, e ia morrer se tivesse que enterrar um filho. E eu sofreria horrores por ver essa minha tia tão triste.