terça-feira, 24 de novembro de 2009

Você é algo assim...

Eu nunca confiei muito no meu sexto sentido e o engraçado é que ele funciona. Quando eu o vi na escola, não foi propriamente simpatia que eu senti por sua lindíssima figura. E você é muito mais lindo do que eu me lembrava, sabe? Eu apreciei a paisagem, claro, mas aquele ar metidinho me fez olhar para você com um certo jeito de "ai, até parece que você é tudo isso mesmo, né?". Bem, o resultado foi o que já sabemos: de tanto eu olhar de maneira invocada, você resolveu, à distância, mostrar que era realmente tudo isso mesmo. Ok, ok, você venceu, batata frita.

Passados dias, meses e o ano, e só ficamos nos olhares. O lance é que eu gostava de você e muito, e não só gostava, mas o admirava e o respeitava pelo que você era. O que eu ouvia das pessoas era que eu gostava de alguém que não existia, que eu havia criado na minha cabeça. Que eu criei uma pessoa perfeita, como todo amor platônico costuma fazer. Mas eu sabia que não era assim. Eu te observava e deduzia coisas a seu respeito, às vezes com base em alguma informação concreta, mas a maior parte do tempo apenas com base na minha "observação obsessiva" da sua figura.

Eu sacava se você estava bem, se estava mal, se ia aprontar. Como o dia da escada rolante. Você subiu na frente, eu fiquei uns quatro, seis degraus para baixo. A escola inteira estava na escada. Na minha frente, um monte de gente, eu só via seu rosto. Quando você estava chegando lá em cima, olhou para baixo e viu a escola toda na escada. Olhou para mim e deu um sorrisinho maroto. Pelo sorriso e brilho do olhar, saquei na hora o que ia acontecer. Só deu tempo de eu avisar minha amiga: "segura no corrimão que a escada vai parar!" Plutf! A escada parou com um tranco. Você olhou novamente para trás, para mim, e riu. E eu só ri de volta e falei um "ehhhhhh", mostrando que eu sabia que você tinha parado a escada com o pé, mesmo sem ter visto você fincar o pé na lateral da escada.

Eu sabia quando você estava chegando na escola. Sentia algo e ficava olhando para o portão do pátio e era questão de segundos para você aparecer. Tinha dias em que eu subia pra sala e ficava olhando a rua, pela janela, porque eu sabia que você ia chegar atrasado. E tinha dias que eu ia para a sala desencanada porque eu sabia que você iria faltar. Tinha dia que eu não tinha visto você chegar, mas sabia que você estava na escola. Meu sexto sentido sempre foi bom, eu que nunca confiei nele.

Como você era, para mim, naquela época? Não era perfeito, nem príncipe. Para mim, você era um aluno mediano, que não gostava de estudar, mas o fazia, e tentava levar a escola com o menor nível de aborrecimento possível. Eu achava que você era muito vaidoso. Um pouco mimado. Muito bravo, genioso, desses que, quando contrariado, saía batendo porta, xingando e praguejando, mesmo que fosse o pai ou a mãe a te contrariar. Um pouco manhoso. Achava que você era galinha, mas não fazia nada na escola porque detestava que pegassem no seu pé. Que você era bruto e podia chegar a ser violento. Achava que você era gentil e carinhoso quando gostava de alguém, mas que podia virar um bicho se a pessoa fizesse algo que te contrariasse. Achava que você tinha um certo grau de crueldade, pois identificava facilmente o ponto fraco das pessoas e, se contrariado, era nesse ponto fraco que você ia bater.

Achava que você era corajoso, até demais, meio daquele tipo valentão, justamente porque era forte e podia enfrentar muita gente por aí. Eu não te via fazendo faculdade ou trabalhando de terno e gravata, mas sendo dono de algum comércio, algo relacionado a carros ou motos, sei lá. Achava que você dava trabalho para sua família porque sua teimosia era maior do que tudo. Achava que você não era romântico e que gostava de fazer brincadeiras bobas. Achava que você era determinado: se queria fazer algo, colocava logo em prática, sem ficar perguntando muito para os outros o que achavam. Achava que você era muito seguro de si e que não ligava nem um pouco para o que falavam ou deixavam de falar de você.

E eu descobri que quase tudo isso que expus aí em cima era a mais pura verdade. Você era exatamente do jeito que eu achava que você era, e o que não bateu foram coisas nas quais achei que você era pior do que você era, de fato. Não, você não fumava. Nem bebia. Era trabalhador. Isso tudo não foi tão supresa pra mim. Surpresa foi descobrir que você era sentimental (Fábio Jr, hein?), que podia ser manteiga derretida (seu avô que o diga), apesar da cara brava e do corpo fortão. Que você era bastante família e que era romântico, e fiel a única namorada - e eu achava que você tinha tido várias e que eram muitas ao mesmo tempo. Que você sabia cozinhar - foi um espanto descobrir isso! Surpresa foi descobrir que você gostava de uma menina que não era daquelas quietinhas, que falam baixo e só sorriem, mas uma menina expansiva, brava e 'boca-suja', que ainda tentava manter você 'na linha', mesmo que você já estivesse se comportando bem.

Surpresa foi ver o quanto a gente tinha em comum. Eu, que me apeguei às nossas diferenças para tentar me consolar, dizendo sempre que não daria certo, com medo de tentar, dar errado e com medo de insistir. Tanto em comum: gostar de carros e motos, de velocidade, de coisas radicais, de natureza, de brincar, de provocar só para ficar brincando de brigar, de andar em cima de muros e telhados e de subir em árvores, como criança... Gostar de ficar em família. Ser determinado nos seus objetivos. Ser teimoso. Ao mesmo tempo, poderíamos ter aprendido tanto um com o outro, pelas nossas diferenças, também grandes.

Pessoas que te conheceram profundamente me disseram que a gente teria se dado bem. Eu fiquei feliz por saber disso e por saber com cem por cento de certeza que eu amei e admirei alguém que existiu de verdade. Agora eu posso dizer de boca cheia que eu amei de verdade uma pessoa muito bacana, um cara de carne e osso, com defeitos e virtudes, que eu não vivi uma ilusão adolescente, mas que eu gostava de você de uma forma consciente, eu gostava de você por completo, com tudo o que vinha de bom e de ruim. Você, cuja ausência sempre esteve presente em minha vida, até mesmo nos momentos em que eu tinha alguém do meu lado. Nunca acreditei nas histórias românticas de almas gêmeas, tampas de panela, metades de laranja, amores que duram para sempre. Mas agora que descobri tudo isso, começo a achar que você é meu destino. Mesmo longe de mim, ausente, fora do meu alcance, você é meu destino. Estou muito feliz por isso. E, como diz Milton Nascimento, "qualquer dia a gente vai se encontrar"...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Simplicidade

O padre Tarcísio quase sempre cita a questão da simplicidade em seus sermões na missa que eu sempre vou aos domingos, no lindo Santuário de Santa Isabel. Gosto muitíssimo dos sermões dele, tanto que tem uma igreja na minha rua, mas eu prefiro pegar o carro e ir até a Santa Isabel para ouvi-lo. Eu sou de família católica, fiz comunhão, mas me afastei da religião completamente em 1989, depois do acidente. E a mesma pessoa que me levou para longe da religião, agora, me fez voltar a ela, em busca de um pouco de paz de espírito e equilíbrio. Está funcionando. Tem sido importante ouvir o padre Tarcísio.

Mas tudo isso era para falar desses casos de pais e mães que esquecem os filhos dentro dos carros e perdem as crianças. Essa semana tivemos mais um caso de uma mãe que deixou sua bebê dentro do carro. Ela tinha claro que havia deixado a menina na escolinha, mas não fez isso. Todo mundo se pergunta o que faz uma pessoa que sempre se mostrou responsável, que não estava bêbada ou drogada, esquecer seu filho trancado no carro, em um calorão horrível, e não se lembrar. Depois a pessoa chega no carro e dá de cara com o filho morto, desidratado pelo calor. Não há pena de prisão necessária para esses pais. Vão se martirizar pelo resto da vida. Casamentos acabam, famílias, se desmancham. Tudo desmorona.

Bem, acho que essas coisas acontecem porque não seguimos os conselhos de padre Tarcísio sobre a simplicidade. Nossas vidas nessas cidades gigantes, tão corridas, tão cheias de pressão, de responsabilidades, de regras, de horários, de obrigações. Tão vazias de sentimentos, de humanidade, de educação, de gentileza, de simpatia, de cooperação, de olhar o próximo, tão violentas e cheias de desconfiança. A gente liga o piloto automático, fazendo todo dia a mesma coisa, tudo sempre igual. Igual a música de Chico: "todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às três horas da manhã, me sorri um sorriso pontual..."

Até mesmo para se divertir as coisas são complexas, e quase tudo depende do dinheiro, que, no final das contas, é o que nos leva a levar a vida de autômato nessas cidades em que se compete por tudo: espaço no ônibus, no metrô, na fila do banco, na fila do restaurante, no trânsito. Todos precisam chegar logo nos lugares para serem eficientes e ganharem dinheiro e continuarem tendo espaço para mostrar sua eficiência. Estuda-se para melhorar na profissão.

Até a escolha do divertimento tem propósitos, muitas vezes, ligados a profissão: pessoas que frequentam determinado restaurante porque lá vão os executivos de seu interesse, assistem determinados filmes porque todos no trabalho falarão disso... Até relaxar vira obrigação, para que você seja uma pessoa equilibrada no trabalho. E para quase tudo hoje que se queira fazer é preciso ter dinheiro.

Para dar conta de tudo, fazemos as coisas sem notar. Ligamos o tal piloto automático, baixamos a cabeça e seguimos em frente. Todo robô vai falhar em algum momento. E alguém terá de corrigi-lo, porque ele sozinho não consegue. E nem sempre tem alguém do lado do robô para arrumar o que o robô deixou de fazer. Foi o que aconteceu com essa mãe. Se a vida fosse mais simples, talvez, ninguém precisasse ser robô nessa vida.

Eu gosto de fazer coisas que não seguem objetivo algum, não tem propósito ou utilidade. Gosto de dançar, mas não quero ser bailarina profissional. Gosto de estudar, mas não necessariamente aquilo que estudo tem utilidade para eu fazer dinheiro ou me promover. Estudo porque gosto e pronto. Se é útil, ótimo, se não é, ótimo também. Comecei a fazer isso porque realmente estava cansada de sempre fazer algo com algum objetivo maior. Enquanto estava envolvida nisso, deixava de ver outras coisas.

Ainda falta muito para que eu consiga levar uma vida mais simples. Mas eu não sou consumista, por exemplo, e isso é mais de 70% do caminho para a simplicidade que o padre Tarcísio prega. Ele sempre pergunta: quando pedimos algo, a gente avalia se realmente precisa daquilo? Eu sempre me faço essa pergunta. E não preciso de quase nada que eu quero, constatei. Isso reduziu a pressão que tinha em mim sobre ter de obter dinheiro. Porque correr atrás do dinheiro nos faz levar uma vida de loucos, de modo que a gente pode até esquecer o filho dentro do carro... Não, não quero nada disso pra mim.

domingo, 15 de novembro de 2009

Auto-terapia

Fê pergunta se estou fazendo terapia... Não. Eu fiz, quando tinha 11 anos. Até os 13 anos. Não fez nenhuma diferença. Eu não queria falar sobre nada com ninguém na época. Como não quero falar com terapeutas hoje. Escrevo aqui porque sempre fui assim: organizo melhor as ideias escrevendo. Sempre me ajudou escrever. Para estudar, por exemplo, eu sempre escrevia, não bastava apenas ler. Mas não é só essa falta de disposição em querer falar sobre as coisas que me faz ficar longe de terapias.

Eu sempre ouvi que terapeutas são profissionais que ajudam a gente a chegar às respostas, entender porque tais e tais coisas acontecem conosco. Não vão nos dar respostas, mas ajudar a entender as crises de modo que a gente chegue a essas respostas. Eu já consegui formular as perguntas sobre por que as coisas são como são e já cheguei às respostas. E até sei de algumas soluções para alguns dos problemas.

Mas eu sou como aquele fumante que descobre um terrível problema no pulmão e que sabe que só parando de fumar vai conseguir melhorar do pulmão. O grande problema desse fumante é o como parar. Ele sabe que tem de parar, e sabe porque tem de parar. Mas ninguém consegue mostrar para ele como parar. Eu precisaria do "como" para algumas coisas. Para outras, eu sei que teria de abandoná-las, e eu não quero deixá-las. São importantes, mesmo que já tenham passado. Não sei ficar sem elas. Tentar me livrar delas é mais dolorido do que mantê-las comigo. Deixá-las faria com que eu deixasse de ser eu mesma, faria com que eu não me reconhecesse nem reconhecesse a vida que tive, dando a sensação de ter sido uma vida que me contaram que ocorreu, ou um filme que eu vi e que nada teve a ver comigo.

São coisas que me fazem bem e mal, mas eu não quero abandoná-las. Não é questão nem de não conseguir, mas de realmente não querer. Então, é a mesma situação de um drogado: se ele não quer ser tratado, mesmo reconhecendo o mal que lhe faz e faz aos outros, ele não vai ser tratado. A pessoa precisa querer superar aquilo. Eu não quero. Especialmente porque ao abandoná-las, eu teria de viver de outra forma, ser outra pessoa. E eu não quero, tenho medo de viver no mundo real, não gosto de mudanças, não gosto de surpresas, não gosto de instabilidades.

Prefiro a segurança de uma situação infeliz que eu já vivo e com a qual já me acostumei a uma situação desconhecida que tem potencial para ser melhor, mas pode ser um desastre maior do que a situação de hoje. Não tenho postura otimista para acreditar que as coisas seriam melhores se eu mudá-las. Sou pessimista desde sempre. E ser pessimista é um consolo: se as coisas dão errado, você já esperava por aquilo. Se dão certo, você comemora mais. Não cria expectativas. Todas as vezes que eu fui otimista eu me decepcionei. Todas. Todas. Não caio mais nessa. Então, terapia, para mim, não funcionaria. Eu tenho de lidar sozinha com meus fantasmas. E eles são quase inofensivos...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Um bocado de luz

Eu estou feliz como há muito... muito... não me sentia. Depois de quase duas semanas da carta, e eu me sentindo miserável, pensando que tinha causado sofrimento a alguém, ela me ligou e falou comigo de uma forma tão legal, tão gentil, que nem sei como agradecê-la. Acho que ela gostou de mim. Eu gostei dela, definitivamente. Vou conhecê-la e vamos falar mais e mais e eu vou entender se gostei de alguém que existiu ou de alguém que eu criei. E pelo que eu já sei, a minha primeira resposta é que eu não inventei nada, meu sexto sentido não me enganou. Talvez eu não consiga dar andamento a minha vida, pois eu estou presa nesse tempo, nesse passado, mas uma simples ligação já amenizou tanto meu sofrimento que só Deus mesmo pode entender a leveza do meu espírito nessa sexta-feira 13. Hoje eu só consigo sorrir e agradecer. Queria que esse estado de graça durasse muito, muito, muito...

PS 1 - Não há cigarros na história...
PS 2 - Não há cadeados na história...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

De quem é o jogo?

Depois do que ocorreu nesse final de semana (a carta, a vergonha, a rejeição, o sermão na igreja na missa do dia 2, as palavras da Fê), eu comecei a tentar sair fora, e o primeiro passo foi tirar as duas imagens do alcance da minha vista. Até porque, de início, a rejeição me causou a impressão de que me tiraram algo, de novo. Parece que se foi, de novo. Só que, ao dar o primeiro passo, parece que tudo mudou e que agora me persegue, invisível, que paira sobre mim, que flutua ao meu lado, nas minhas costas, à minha frente, que me acompanha o tempo todo. Que está por aí e eu vou dar de cara com você a qualquer momento... algo que eu queria sentir antes, e consegui agora, justo agora, que não quero mais. E sinto que ri de mim, cruelmente, como a dizer "você não queria brincar? Agora aguenta!". Como no jogo de gato e rato, como se o gato estivesse prendendo o rato pela barriga e levantasse a patinha rapidamente, o suficiente para o rato tirar o corpo debaixo dela, mas antes de sair por inteiro, a patinha do gato desceu e prendeu o rato novamente, pelas pernas. Como se quisesse que eu me liberasse, mas assim que viu que eu podia sair, resolvesse me prender novamente, porque a ideia de ser esquecido não parece suportável. Para eu não me aproximar demais, mas para não ficar muito longe também. Para eu ficar um pouco mais distante, e sofrer menos, mas não me afastar o suficiente para que o esqueça e deixe de sofrer por completo. É mais um joguinho? E se é mais um joguinho, é um joguinho seu ou um joguinho da minha cabeça?

Duas pequenas intuições

Mimado... é... mimado. Mimadinho. Filhinho de mamãe. Daqueles que a mãe não quer ver o que é negativo no filhote. O sumiço do cigarro é típico, até vejo a cena de uma mão feminina tirando aquilo e ainda dizendo: "quem foi que colocou esse lico aqui?" Rá!!!
Me ocorre que se não fosse assim, e limites fossem impostos, talvez nada tivesse acontecido. Fechar os olhos para defeitos de filhos pode ser grave, não colocar limites também. Me parece o caso...
E aposto que, depois de tudo, haverá um cadeado. Para que ninguém mais o influencie negativamente com cigarros e outras porcarias como cartas malucas. Porque se trata de um pobrezinho altamente influenciado pelas más companhias, né? Tadinho, tão ingênuo e indefeso aos olhos de mamãe... Ela deve ser uma sogra com s maiúsculo.

domingo, 1 de novembro de 2009

Não daria certo

Hoje, dei de cara com um maço de cigarros Hollywood e esse pequeno pacote foi mais uma das muitas indicações de que eu e você... Não era pra ser... Não, não era, definitivamente. Você, testando limites, se divertindo. Eu, sendo certinha, politicamente correta, tentando agradar gregos e troianos.

(Estou na minha terceira lata de cerveja, sem ter sentido grandes efeitos até agora. Acho que terei de ir pra quarta, porque a anestesia não tá funcionando dessa vez. Bem, parece que eu parei de chorar. Mas continuo sentindo uma dor tão forte quanto naquela época. Quarta latinha iniciada, se Deus quiser, coma alcóolico sem socorro e eu nunca mais volto aqui...)

Você é um mistério. Mas não me surpreendi vendo o Hollywood. Combina com você, de qualquer forma. Você, audacioso, corajoso, voluntarioso. Eu, medrosa, encolhida, comum. O que teria sido de mim, com você? Eu teria ido pelo seu caminho, tão contrário a tudo o que me fizeram acreditar que era o certo? Hoje eu seria diferente? Acho que sim. Acho que teria sofrido, teria comido o pão que o diabo amassou com você, mas hoje eu seria mais forte, mais esperta, e talvez acreditasse um pouco mais em mim por saber que eu podia suportar muita coisa ruim. Você teria me dado essa lição; ao invés disso, me ignorou. Sua lição foi: eu sou um nada. Como eu já havia tido essa lição de várias pessoas, em várias ocasiões, não me acrescentou em nada você me desprezar.

Talvez a gente tivesse sido bons amigos, já pensou nisso? Talvez eu tivesse eu botado um pouco de juízo na sua cabeça, e talvez você estivesse aqui ainda hoje porque tinha uma politicamente correta do seu lado, nem que fosse só por amizade. Já pensou nisso? Talvez você tivesse me ensinado a levar a vida menos a sério, ou a arriscar mais. Já pensou nisso?

Talvez eu tivesse realmente aprendido a amar alguém pelos defeitos e qualidades, e não apenas pelas coisas boas. Talvez você me mantivesse sua amiga, mas sempre com aquela esperança de um dia, quem sabe... e eu acabasse como sua madrinha de casamento nesse lance de amizade, sofrendo porque estava ali, do seu lado, amiga do peito, e só. Eu seria muito diferente, se você tivesse dado chance de algo acontecer entre a gente. E talvez sua vida tivesse sido outra, e hoje a gente estivesse discutindo isso na mesa de um bar...

Eu queria te odiar por aquele pouco de humilhação que eu sofri. Eu queria muito, mesmo, detestar você, muito e muito e muito, até chegar ao ódio. Mas só consigo ouvir Estranged, do Gun´s, que está no repeat, e beber e chorar. Eu sempre quis que meu orgulho falasse mais alto, que eu entendesse sua frase como uma dose cavalar de desprezo por mim. Sua forma de olhar e de se divertir às minhas custas, à distância... Imagino o quanto você teve ter rido de mim, a ridícula, e tirado onda, comentando com seus amigos sobre a idiota aqui... Imagino tudo que posso para te odiar, te detestar. E eu só choro e me pergunto, pra que tudo aquilo, de que te valeu tudo aquilo...

"An now that you've been broken down
Got your head out of the clouds
You're back down on the ground
And you don't talk so loud
An you don't walk so proud
Any more, and what for"

Pra que toda a beleza, e o ar superior, e as pessoas em volta, e a diversão e os planos? E ao mesmo tempo me é insuportável a ideia de que você não está por aqui, dormindo, comendo, fumando, amando, odiando, trabalhando... acordando todo dia para ir ao trabalho, se aborrecendo com as chatices do cotidiano, talvez sendo sacana com sua mulher, criando um filho... Eu estaria melhor se soubesse que você está por aí, mesmo que não comigo, mesmo que não estando feliz, mesmo que longe do meu alcance como sempre você esteve.

(A cerveja começou a fazer efeito, finalmente...)

Eu sempre tenho a impressão de que você é um daqueles casos em que Deus achou melhor não realizar um desejo meu porque eu sofreria muito mais se Ele atendesse meu pedido. A gente tem de tomar cuidado com o que deseja porque o desejo pode se tornar realidade. Tem coisas que não eram pra ser. Você não era. Acho que eu estaria muito pior hoje, se tivéssemos ficado juntos naquela época. Talvez você fosse me desviar do meu caminho, sei lá... Mas, mesmo consciente disso, eu não consigo me conformar.

Sem um beijo, um abraço, nada. Só olhares, minha mão segurando seu braço... eu não posso me satisfazer só com isso. E eu preciso saber quem é você pra entender por que estou tão presa a você. Não é só a minha insanidade, meus complexos, traumas. Sei que tem algo maior, e só sabendo quem você era eu acho que poderei entender. Daí a carta. Mas acho que ela não será lida, né? Mais um sinal seu de que eu devo ficar longe... como sempre... Mas você.... "you don't talk so loud, and you don't walk so proud, any more". E afinal, o que você ganhou sendo assim, hein?

E eu:
"I'll never find anyone to replace you
Guess I'll have to make it thru, this time
Oh this time
Without you"

E como pode, uma pessoa que eu não conheci me fazer sofrer e querer morrer desse jeito, tantos anos depois?