segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Os diferentes morrem cedo...

Assisti um pedacinho do filme Gia - Fama e Destruição, que já vi completo várias e várias vezes, claro. Com a Angelina Jolie interpretando a modelo Gia Carangi, uma norte-americana descendente de italianos e irlandeses. Eu não me ligo no mundo fashion, e moda pra mim é coisa de gente que gosta de gastar dinheiro com bobagem... Mas Gia é uma história impressionante.

Ela nasceu em 29 de janeiro de 1960. É conhecida como a primeira 'supermodelo' do mundo fashion, no estilo das tops que hoje conhecemos. Ou seja, a precursora da nossa Gisele. Eu não acho Gia particularmente bonita, mas li que seu diferencial não era bem a beleza, mas o fato dela posar em poses não convencionais. E ter um rosto muito expressivo, desses que você às vezes não reconhece que ela é ela mesma, como nessa coletânea de fotos que pirateei de um blog. Eu acho isso mais admirável nas modelos do que a beleza em si, daí gostar muito das fotos de Gia, mesmo achando sua beleza bastante comum.

Bem, o filme-documentário com Angelina foi feito para a HBO. Foi o primeiro papel de grande repercussão da sra. Jolie, porque Gia era lésbica e drogada. E Angelina interpretou as cenas lésbicas sem constrangimento nenhum. E incorporou uma drogada de primeira, com direito a todos os ataques. Magistral! Mas até agora me pergunto se Angelina não estava apenas interpretando a si mesma, dado seu histórico digamos, rebelde, na adolescência.

Pois bem, voltando para Gia... Ela se destacou então por ser a primeira top-model. E também por ser a primeira mulher famosa a morrer de aids. Contraiu a doença porque era viciada em heroína. Entre os episódios tristes de sua história estão sessões de fotos em que os maquiadores tinham de fazer milagres pelos seus braços, todos cheios de cicatriz das picadas de seringa, que ela compartilhava. Sua última capa para a Cosmopolitan foi tirada com ela sentada sobre os braços. O fotógrafo diz que era pra esconder que a moça tinha engordado, mas a versão que mais circula é que foi a solução dele para esconder os braços todos ferrados de tanta picada. Naquela época a aids era uma ilustre desconhecida. As cenas no documentário-filme mostram bem a coisa: médicos parecendo astronauta tratando de Gia, isolada em um quarto.

Ela faleceu, de maneira deprimente - sem amigos, apenas contando com a atenção de sua mãe - em um hospital na Filadélfia. Teve gente do mundinho da moda que só ficou sabendo que Gia morreu um ano depois do ocorrido. A mãe dela escondeu bem a história. No filme-documentário, dizem que a pele das costas ficou pregada no tecido da cama. Os médicos recomendaram um caixão lacrado, tal o estado do corpo. Enfim, ela morreu depois de muito sofrimento e tristeza. Mas com a atenção que queria de sua mãe desde o início, e que nunca tinha conseguido. Pois é, a boa história de que só se valoriza algo ou alguém quando está perdendo... A mãe dela é o exemplo perfeito disso.
E eu sempre penso em Gia desde que vi o filme. Nela e em outras pessoas geniais que morreram por se auto-destruir. Primeiro, eu admiro essas pessoas. Elas têm coragem de ferrar com tudo, de se jogar nas coisas mais loucas, e mesmo nas crises de loucura, produzem coisas fantásticas - às vezes, produzem mais nas crises do que sóbrias, como as bandas de rock - conferir Gun´s and Roses, um exemplo clássico.

Eu, politicamente correta, menininha de família, conservadora, responsável, nunca consegui fazer nada de realmente louco nessa vida. Mas loucou mesmo, não tô falando de diversão que se tem impunemente, de um pilequinho básico ou uma maconha no colégio. Vontade não me falta, e é de fazer coisas como beber até ir parar no hospital em coma alcóolico ou experimentar heroína até sangrar o nariz e morrer ou dar um tiro em alguém - ou em muitos, como os loucos da Columbine - e espalhar sangue para todo lado, sendo condenada a prisão perpétua depois. Coisa que ninguém recomenda, que ninguém aprova, que faz outros se machucarem, que te desumanizam.
Nunca tive coragem de fazer nada... apesar de saber que um dia, pode me dar uma coisa e essa coragem nascer... Espero que não seja coragem de fazer a terceira maluquice, porque beber e usar droga, se eu fizer num lugar que não requeira deslocamento em automóvel, não irá prejudicar ninguém. Sair dando tiros é outra coisa. Mas acho que minha sanidade sempre vencerá. Porque ela é bem combinada com outra boa característica minha, a covardia, e a outra coisa que eu acho demais de legal em mim (se ninguém se ligou, estou sendo irônica...) que é me preocupar com o que os outros vão dizer ou com o que isso vai acarretar de problema para minha família (conhecendo bem minha família, tenho certeza de que fingirão que não me conhece se um dia eu pisar na bola nesse nível, então eu os uso como desculpa para continuar não fazendo nada).
Segundo, além de admirar Gia e loucos em geral, fico sempre me perguntando se precisamos ser loucos para a gente deixar de ser medíocre e atingir um grau de genialidade em qualquer coisa. Eu odeio, mesmo, muito, o fato de ser medíocre. Eu não sou feia, mas não sou bonita; não sou burra, mas não sou um gênio; não sou gorda, mas não sou magra... Estou ali no meio, no medíocre que caracteriza o meio. Estar no meio me mata de raiva, de frustração. Queria ser muito alguma coisa: muito feia ou muito bonita ou muito burra ou muito inteligente. O que se faz com o meio? Porra nenhuma. O meio é coisa de fracos, indecisos, ou de gente comum. No fundo, eu odeio se gente comum. Mas não tive coragem de ser incomum porque... dá trabalho, é preciso ser orgulhosa, não se incomodar com o que dizem ou não, encarar as escolhas, assumir e ser contestada e dizer foda-se você com voz alta, peito aberto e cabeça erguida. E arcar com as merdas que faz.
Nunca tive esse espírito rebelde ou libertário que caracteriza pessoas incomuns. Acho que de tudo que eu não gosto em mim - o que corresponde a basicamente, 99% do que eu sou - essa ausência desse espírito talvez seja o que mais me deixe puta da vida comigo mesma. Em especial nessa época narcista, consumista, egocêntrica, individualista que vivemos hoje, que estimula todos a não serem mais um na multidão, a ser um BBB. Eu queria ter ou fazer algo que eu dissesse pra mim mesma: ah, nisso eu sou diferente de tudo, melhor que todos. Eu queria poder escrever com estilo, ter grandes sacadas, um humor inteligente. Mas não, sou essa coisinha insignificante e sem gracinha. E pior é que não mudo, porque nem saberia o que começar a fazer pra mudar. Talvez cheirar um pozinho... rsrsrsrs
É, mas o que meus pais vão dizer, filha criada e drogada depois de adulta, com um empregão bom, salário legal, sobrinho fofo, carro, celular, dinheiro, perfeita fisicamente e blablablá???? E se eu fizer alguma besteira assim, Deus castiga e eu vou pro inferno e será pior do que aqui, porque será um inferno eterno. Que porre não poder ser alguém superior em alguma coisa... Que porre...
PS - Gia morreu às 10h do dia 18 de novembro de 1986, aos 26 anos. Trechos de um documentário sobre ela em http://www.youtube.com/watch?v=2MhwIp9a13A&feature=related.

Um comentário:

Unknown disse...

exatamente... I feel the same...
Exceto pelo: "empregão bom, salário legal, sobrinho fofo, carro, celular, dinheiro,... "
Fiquei intrigada com a história da Gia e com uma identificação fora do comum e ainda mais com o teu texto!
Parabéns... conseguiu escrever tudo o que eu não consigo (sem que eu pareça uma suicida.) :: J.