terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Consumam, pessoas, consumam!

Li no Estadão, edição de domingo, caderno Aliás - uma das únicas coisas prestáveis no jornalismo de hoje - uma entrevista com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor do livro Medo Líquido. Fantástica a entrevista, quero comprar o livro. Me fez refletir, mais, sobre a vida besta que a gente leva. Ele fala sobre o medo e a uma certa altura especula que a crise atual pode ser um início de um despertar que geralmente vem depois de períodos de elevado auto-consumo e auto-enganação. Nada mais verdadeiro, a crise da Bolsa de Valores dos anos 30 e a Grande Depressão que o digam.


Realmente, o tal consumo, quando exagerado, é um bom veneno. Veja que círculo vicioso estúpido ele gera em nossas vidas cotidianas. No capitalismo, temos uma liberdade que é fundamental para todo o sistema, que é a liberdade de consumir. Para consumir, precisamos produzir o que consumir e produzir o que precisamos ter para poder comprar o que vamos consumir. Ou seja, precisamos do trabalho e do dinheiro. Que nos são ofertados por empresas. Que estimulam o consumo, criando necessidades artificiais que só nos fazem trabalhar mais para poder consumir mais. Um círculo sem fim de trabalhar-ganhar dinheiro-consumir.


Quer um exemplo besta: celular. Você compra um celular para poder estar acessível o tempo todo, certo? Bom, nas suas férias, dá pane no trabalho e agora, com o aparelhinho, você é achado e precisa interromper o merecido descanso para resolver o pepino. Tipo, você precisa marcar a entrevista com o secretário executivo do ministério X, marca, pede as passagens no serviço, e aí o tal secretário marca para mais cedo a entrevista e você, encontrado no celular, se vê obrigado a ir para SP no balcão mais próximo da TAM remarcar as passagens e pagar as tarifas pela bagunça que o dito cujo do político fez, em conluio com sua assessora. É, a palhaça aqui perdeu seu último fim de semana de férias por causa de todo o rolo. E perdeu horas tentando agendar a entrevista, apesar da imbecil estar DE FÉRIAS! Ah, e se você não abreviar as férias, no primeiro corte, lembrarão do seu nominho como aquela pessoa não colaborativa que as empresas tanto detestam. E aquele que não quis abreviar as férias terá sua carreira rapidamente abreviada, por não ter "inteligência emocional" ou algo do tipo.


Outro detalhe do celular e qualquer tecnologia: ela vem pra facilitar sua vida, certo? Para você trabalhar menos e tals. Pergunto: você trabalha menos? Eu não. Porque os malucos adotam a tecnologia, mandam trocentas pessoas embora e os que ficam acumulam função. E como a tecnologia te dá mais tempo, o tempo que sobrar você vai gastar para trabalhar mais pelo mesmo salário. Não se engane. Você trabalha mais e nem vê. Porque acumula tarefas, já que a tecnologia permite isso. Você fica resolvendo pepinos do trabalho enquanto dirige para sua amada casa, apesar de já ter batido o cartão há 30 minutos. Você faz hora extra sem notar. E acha o máximo ser tão importante pra empresa!


E tem também o aumento de gasto. Sim, meu amigo, você compra um celular que, em princípio, deveria apenas servir para falar e ouvir. Primeiro, vem a conta do celular, que não é pequena. Aí criam a tal necessidade de tirar foto digital e você precisa mudar de aparelho porque, imagine, o seu não tem câmera, um escândalo! Como você viveu tanto tempo sem um telefone móvel e que tira foto? Aí ele passa também a reproduzir música. E depois a navegar na internet, o que custa os olhos da cara, mas você acha o máximo porque poderá receber e-mails - inclusive do trabalho - e a qualquer tempo e em qualquer lugar. E lá se foi seu sossego... Veja, para "revelar" a foto digital, precisa ter um cabo que conecta num computador e uma impressora. E você precisará de todas essas coisas para ter a foto do seu filho-cachorro-papagaio-amante etc etc no porta-retrato da sua mesa do escritório. E você vai trocando de aparelho a cada seis meses, e vai pagando cada vez mais caro para usar essas tecnologias. Mas me diga, sujeito, você iria morrer se não tivesse um celular com câmera, MP-3 e o cacete a quatro? Eu não... Mas quem disse que tem muito modelo básico nas lojas pra uma pessoa como eu?


Aí, depois de tudo isso, você reclama porque tem de trabalhar demais??? Ué, celular que faz zilhões de coisas custa, filho. "Faiz" parte do sistema: você vai adquirir coisas para facilitar sua vida que vão te obrigar a trabalhar mais para mantê-las. É simples assim. Acorde, Alice, você não está no País das Maravilhas, mas sim no círculo vicioso do consumismo exacerbado da sociedade que muitos hoje dizem ser pós-moderna, seja lá o que isso signifique...


Nenhum comentário: