segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Reencontro

Dezenove anos depois... É, eu disse que ia insistir, não disse? Que ia fazer diferente dessa vez. Eu fiz. Deu certo. Será que teria dado certo há 19 anos? Não quero pensar nisso. O importante é que te achei. Eu sabia que a gente estava, de novo, brincando de gato e rato, como há 20 anos na escola. Então, nesse domingo, pedi para outra pessoa uma referência. Veio a mesma. Perguntei para ela se haveria chance de você não estar lá. Ela checou: tudo estava em ordem, você deveria estar lá. Então, eu fui lá. De novo. Olhei e olhei e olhei. Nada. Tudo errado.

Voltei à moça. Contei que outros estavam na indicação. Ela começou a pesquisar novamente. E eu comecei a querer chorar porque me pareceu que ela não ia te achar pra mim. Pedi, rezando em silêncio, para que ela te achasse. Por favor, eu precisava te ver. Contei para ela quem era você. Ela disse um "ahhhh" quando contei sobre você. Eu disse a ela que você era insuportável, que tinha hora que a vontade era dar na sua cara... Comentei que não era possível que você ia continuar me esnobando depois de tudo. Ela riu. Um rapaz que esperava do lado também riu do que eu falei. Ela foi muito legal. Teve de consultar os livros antigos. Descobriu o erro. Me deu a nova marcação. E disse que se eu não o encontrasse, que voltasse a falar com ela. Ela gostou da minha história.

Achei um senhor do lado de fora que não entendia que eu queria saber apenas como chegava no local que a moça me indicou. Ele quis me acompanhar dentro do meu carro. Achei melhor não. Cara desconhecido, ignorante. Pedi a ele apenas para me indicar onde era, que eu me virava pra chegar lá. Era ali pertinho, podia ter ido a pé. Me livrei dele e fui. Estacionei o carro e corri até lá. Olhei a nova marcação. Não era você. De novo! De novo! Comecei a querer sapatear como criança manhosa e chorar. Vi que estava olhando um lugar com uma marcação com letra. Mas a que a moça me passou era só número.

Eu tava no lugar errado. De novo! Você estava se escondendo de novo! Dane-se se você não quer que eu te ache. Dane-se se você está se escondendo porque não quer que eu te aborreça ou porque resolveu ser bonzinho e achar que era melhor mandar uma mensagem para mim de que, talvez, para minha saúde e paz de espírito, seja melhor não te ver de novo. Dane-se, não vou jogar conforme você quer, a regra agora é minha.

Então eu comecei a descer, quase correndo, olhando tudo com atenção. Os números subiam e eu queria que descessem. Eu quase estava sentando e chorando de raiva. Cadê você? Cadê você? A vista ardia pelas lágrimas que quase caíam. Eu olhei a parte de trás! Ah, os números baixos estão aqui. Achei o anterior ao seu. Olhei do lado, do outro lado. Não tinha nada. Olhei mais para o lado direito. Passei a mão num lugar apagado. Qual é, cadê você, cadê você? Parei pra respirar e segurar de novo o choro. De repente, embaixo de onde olhei a primeira vez, uma grade pequena, recentemente pintada na cor alumínio, e fechada, me impedindo de ver atrás dela. Ao ver a grade, o coração deu um baque, a respiração faltou, tudo igual: eu senti o mesmo de quando eu apenas intuía que você estava chegando na escola. Ficava olhando o portão do pátio da escola fixamente quando sentia isso. Não dava um minuto, e lá aparecia você, passando pelo portão.

Abri a grade pintada de alumínio com toda força. Quando ela abriu, foi como se tivesse achado o caminho que eu procurei por toda a minha vida. Uma luz. Lá estava você, de novo na minha frente, sorrindo, 19 anos depois. O seu olhar debochadinho, brilhante, as sombrancelhas grossas e rebeldes que te davam um ar de pessoa violenta, mas contida, meio selvagem, a pinta no canto esquerdo superior da sua boca... Comecei a tremer muito, e me agarrei a grade aberta. "Você achou que ia continuar fugindo de mim, seu peste?", perguntei pra você. E não consegui te dizer mais nada. Você sempre teve a capacidade de me deixar muda, eu, uma papagaio ambulante.

Caí em um choro sem controle, e tremia e olhava você e não acreditava que estava te vendo de novo depois de tanto tempo. Você estava mais magro, e eu sei que é mais bonito do que o que eu estava vendo. Chorei como naquele dia, há 19 anos. Chorei muito, chorei por tudo que ocorreu, por tudo que se passou nesses últimos 20 anos, desde que eu te conheci. Eu passei esses anos procurando pelo seu olhar, que era a coisa que eu mais amava no mundo, era meu vício, eu mergulhava no seu olhar e lá ficava até quase morrer sem oxigênio, incapaz de não pular de cabeça.

Eu procurei por você, pelo seu olhar, por aquela sensação de felicidade máxima que sentia ao me afogar nos seus olhos. Eu o procurei em cada um dos homens que admirei, que beijei, que olhei, em cada meta de vida que fui vencendo, na compra do meu carro, da minha casa, na formatura da faculdade, no primeiro emprego, todo o tempo em que eu estava procurando por algo ou alguém, eu estava procurando era por você. E nesse domingo, o alívio: eu achei você de novo. Agora sinto paz pelo fim dessa minha busca de uma vida inteira. E sinto tristeza por saber que você era a única coisa que eu queria nessa vida, mesmo sabendo que seria infeliz contigo. Entendi, enquanto olhava para você, que tudo está perdido, que nada depois de você me fará feliz, nenhuma pessoa ou plano vai me fazer sentir a vida como eu sentia há 20 anos.

Também senti medo porque eu vi que estou irremediavelmente presa a você. Não acho que você quisesse me manter presa naquela época em que fazia seus jogos, me ignorando num dia para no outro ficar me olhando, e com seu olhar falar coisas que acho que só você e eu entendíamos naquela nossa guerrinha psicológica adolescente. Qualquer outra pessoa que entrasse nesse diálogo sem palavras podia captar algo, mas não entendia a força daquilo. Domingo senti a mesma energia que me prendia a você há 20 anos. Uma imã quase me levava até você, como sempre foi. Como se eu fosse apenas sua. Como se o meu destino fosse ser sua, sem ser, porque você me sugou toda a energia e ela só podia ser direcionada pra você e mais ninguém, mas seria só isso e mais nada. Não acho que você queira que seja assim hoje, nem queria que fosse assim no passado. Mas estava e continuo presa a você, mesmo que você não queira.

A vontade de entrar na sua pele, na sua cabeça, no seu coração. De ter segurar forte e nunca mais soltar. De ficar te olhando por horas e horas, sem falar nada, só olhar e olhar e olhar. Tudo como há 20 anos. Eu sempre achei que um fio invisível me ligava a você. Um fio de uma única mão de direção: ele saía de mim e ia para você, mas não fazia o percurso inverso. Você notou esse fio? Ele apareceu de novo no domingo, quando te achei, ele me grudou naquele lugar. Eu fiquei ali pregada a grade, me segurando e chorando e passando imaginariamente a mão no seu rosto e chorando e tremendo, querendo me aproximar de você e sem coragem...

E eu não queria ir embora, queria ficar ali te olhando. Nunca foi tão difícil pra mim deixar alguém e ir embora de um lugar. Me lembrei do dia em que te vi pela última vez. Me foi tão fácil virar as costas para você e ir embora, mas assim que virei as costas, me foi tão difícil não voltar correndo pra você, humilhada, rastejando, pedindo migalha, só pra ser maltratada de novo por você. E foi difícil não chorar por ver o fio invisível se partindo aquele dia, quando você e eu viramos as costas um para o outro e caminhamos em direção oposta. E você não notou nada, você nunca notou nada, só queria provar pra si mesmo o poder que tinha. Mas tudo bem, o problema não é nem nunca foi você, o problema sempre foi e sempre será eu.

Agora eu acho que tudo acabou. Todas as dúvidas desapareceram. Sei o que fazer da minha vida. Sei o que me espera no futuro. Sei que planos não resolvem nada, que pessoas não resolvem nada, porque meu sonho era você, e não uma carreira, uma casa, um carro novo ou roupas bonitas ou um marido e filho que parecesse família de propaganda de pasta de dente. A vida ficou tão descomplicada depois de te encontrar ontem. Sei o que você é para mim. Sei tudo agora, entendi tudo. A agonia acabou, e por isso, te agradeço. Mas meu sofrimento está apenas começando. E você vai acompanhar tudo, mesmo que não queira, e se você não quer, não é problema meu, eu não quero saber se estou te prejudicando. Eu vou ser egoísta dessa vez, persistente, egoísta e irracional como nunca fui. Não vou mais ficar no meu canto, como você sempre quis, seguindo suas ordens silenciosas passadas pelo seu olhar ou pelo seu sorriso. Eu nunca mais me perco de você. Nunca mais...

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