Nessa altura da minha vida, uma das coisas que mais me incomodam em mim é minha completa insatisfação com a boa vida que levo. Eu tenho plena consciência de que não há motivo para eu me sentir insatisfeita: tenho casa, comida, roupa lavada. Sou perfeitamente saudável. Tenho emprego e me orgulho dele, tenho bom salário, uma boa casa, e um carro velhinho que não trocarei, pelo jeito, porque não vou pagar R$ 40 mil em suaves prestações de R$ 900 para comprar um carro zero, 1.0, básico. É muito dinheiro. Resumindo, não sou rica, mas estou bastante longe da linha da pobreza. Minha família é grande, e estão todos bem, ninguém passa necessidade nem está com doença terminal ou crônica que impeça de levar uma vida normal. Nunca presenciei uma morte violenta. Nunca sofri uma violência pessoal. Sou privilegiada.
E nada dessa vida quase perfeita me faz ficar menos insatisfeita. Fui na gravação do programa da CBN "No Divã com Gikovate", com Flávio Gikovate. Ele tem umas teorias interessantes a respeito de como aprender a viver sozinho e bem, sobre o que são os relacionamentos (casamentos, namoros) hoje, sobre individualismo. Ele fala na lata, não suaviza nada, chega a ser cruel em algumas respostas, mas eu gosto de gente assim. Não sou muito simpática a auto-ajuda nem entendo nada de psicanálise para saber se o dr. Flávio é um charlatão aparecido ou um profissional sério. Esses rótulos não me interessam, o que interessa é a utilidade das orientações que ele dá. Para mim, são boas. Na gravação, eu fiz uma pergunta por escrito para ele, sobre porquê pessoas que aparentemente têm uma vida boa se sentem insatisfeitas. Resumindo, ele respondeu que faz parte do ser humano inteligente - e ele ressaltou o inteligente - estar insatisfeito com as coisas, que isso move as pessoas e que é impossível estar feliz com tudo o tempo inteiro.
Mesmo que nada exista de errado, continuou ele, a gente sabota a nossa própria felicidade. Achando estranho estar feliz e com medo de que a felicidade termine, fazemos algo para acabar com ela, procuramos problema. Já li algo de Freud sobre isso, e ele fundamenta o problema na relação com a mãe. Nada entendo de Freud e, como leiga, digo que acho muito baboseira atribuir tudo a relação com pai e mãe e a sexo, então, por ter essa imagem de Freud, acabei não me interessando por ele. Preconceito e ignorância minha, com certeza. Voltando ao dr. Flávio, entendi que é natural estar insatisfeita e que será sempre assim. Ok, mas eu não estava falando dessa insatisfação que nos move para frente, mas da que nos prende ao sofrimento de ficar pensando o que falta na nossa vida, e a não valorizar o que se tem.
Essa insatisfação me deixa muito triste. Eu me sinto ingrata com a vida e fico com medo, porque a vida talvez, um dia, queira me dar uma lição. "Já que você não valoriza o que tem, que tal se eu tirasse o que você tem para que entenda que é sua obrigação ser grata à vida?" Um exemplo simples. Anteontem, no metrô, vi uma moça de muletas, bonitinha e com ar amigável e simpática. Ela estava de vestido que cobria até um pouco abaixo dos joelhos e era um vestido simples, mas parecia gostoso de usar, soltinho e meio esvoaçante. Aí eu olhei as pernas dela. Muito finas. Vi que a finura das pernas dela é o problema que a obriga a andar de muletas. Acho que os ossos não se desenvolveram e as pernas não sustentam o peso da moça, que é magra como eu.
Bem, ela estava lá, feliz com seu vestidinho naquele calorão. E eu, morrendo de calor numa calça jeans preta, porque não uso saia curta ou vestido para não mostrar as minhas pernas finas e manchadas de alergia. Me xinguei de todos os nomes. Como eu escondo pernas que são finas, mas que me sustentam, enquanto aquela moça mostra as dela, mais finas do que as minha e que a obriga a andar de muletas? Aposto que ela trocaria de perna comigo num segundo, sem ligar para as manchas e pensando que a finura das minhas não chegou no ponto de me impedir a andar... Ela trocaria, tenho certeza, sendo feias ou bonitas, contanto que pudesse andar sem problemas. Imaginei se ela não tinha vontade de correr, de nadar, de dançar, se ela conseguia fazer essas coisas que eu faço rotineiramente. Senti um enorme admiração pela moça. E segurei o choro que veio aos meus olhos, de raiva de mim mesma.
Era desse tipo de insatisfação que eu queria que o dr. Flávio falasse, mas não pude explicar no papel e ele não estava me dando uma consulta. Eu deveria me sentir grata, mas não me sinto. E tenho medo de ser punida por isso. Sempre acho que, um dia, vai me acontecer uma grande tragédia: que vou desenvolver um câncer muito ruim de ser tratado e morrerei aos poucos, que vou ficar paralítica, perder um braço, a visão, sei lá. Uma coisa dessas que me impediria de continuar levando a vida que levo e que vai me mostrar que eu era feliz e não sabia.
PS - Esse foi o centésimo post desse blog. Confesso que tenho vergonha dele. Blog é uma coisa narcisista demais. Infelizmente, sou uma mulher do meu tempo e esses são tempos narcisistas...
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
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