segunda-feira, 8 de junho de 2009

Dos 'benefícios' do complexo de inferioridade

Eu estava pensando aqui com os botões que não existem na minha blusa o quanto é confortável ter complexo de inferioridade. Ah, tá, muita gente pode dizer que é um absurdo falar disso, que as pessoas que têm esse problema sofrem muito e blablablá. É verdade, eu, como complexada que sou, não vou nunca desmentir algo assim. Sofremos muito, mesmo, quando nos achamos inferiores aos outros. Choramos por muita coisa que não existe, exceto na nossa visão distorcida sobre nós mesmos. Refletimos essa visão distorcida para outros, achando que todo mundo nos vê da mesma forma. Colocamos sentimentos e palavras nos corações e bocas dos outros, julgando saber muito bem o que os outros pensam sobre nós: exatamente aquilo que a gente pensa de nós mesmos. Basicamente, que somos um monte de merda, indignos de estar aqui.

É fato que eu me sinto excluída de muitos grupos, conversas e ambientes por me julgar feia. Eu não acho que as pessoas me excluam por outro motivo que não minha feiúra. Sem sequer saber se, de fato, me consideram feia. Para mim, o mundo todo se resume a aparência. Não, eu não tenho apenas amizade com pessoas lindas, pelo contrário. Também não vou valorizando a estampa. Não quando se trata de eu me relacionar com outros. Mas quando se trata de outros se relacionarem comigo, eu acho que sempre tem a ver com a aparência. Especialmente com a falta de boa aparência. Ela simplifica toda minha visão de mundo: não namoro porque sou feia, não tenho amizade de fulano ou fulana porque sou feia, não sou convidada para sair porque sou feia, minha família não gosta de mim porque sou feia. Tudo se resume ao porque sou feia.

Não é conveniente ser assim? Não é vantajoso poder resumir todos os seus problemas em uma única frase: porque sou feia?! É. É esse o 'benefício' de um complexo de inferioridade. Ele resume todos os problemas do meu universo ao meu cabelo encaracolado e castanho, ao meu rosto de travesti, aos meus olhos enormes e olheiras, a minha boca gigante e gengiva mais gigante ainda, aos dentes tortos e amarelos, estrias e celulites, barriga saliente, flacidez, pernas finas, falta de peito, falta de bunda. Tudo ocorre porque eu sou portadora de todas essas características, essa combinação ridícula que quase me impede de olhar no espelho até para escovar os dentes e o cabelo. Não é fantástico explicar o mundo de maneira simplista?

É muito melhor ficar nessa de porque eu sou feia. Além de ser simples de responder a todas as dúvidas existenciais da minha pessoa, eu ainda jogo a culpa pela minha falta de habilidade social ou coisa que o valha, e da minha infelicidade, nas costas da sociedade hipócrita que define padrões de beleza inatingíveis para seres mortais. Ou dos homens, cambada de canalhas que só querem saber de peito e bunda e nem ligam se você é legal ou inteligente. De Deus, que me fez assim, feiosa pra caralho. Ou dos meus pais. Nunca está em mim a culpa, está sempre nos outros. Não é fantástico explicar o mundo de maneira simplista e ainda poder terceirizar as próprias responsabilidades?

Melhor ainda: o complexo de inferioridade impede que se busque soluções, pois ele é fatalista. Não há muito o que fazer, tirando muita plástica e consumo com cosmético para muita maquiagem, coisas que eu não quero ou não gosto de fazer. Veja: de que adianta eu estudar como eu estudo, ler como eu leio, para tentar ter um papo inteligente, se tudo o que importa é o cabelo liso e loiro ou peitos grandes? De que adianta eu tentar ser tão correta, se ninguém valoriza isso, olha apenas as pernas grossas e a bunda avantajada? Então, eu não preciso fazer nada, porque nada vai resolver o problema. Não é fantástico explicar o mundo de maneira simplista, poder terceirizar as próprias responsabilidades e ainda não ter de fazer nada a respeito?

E mais: o complexo me ajuda a ser covarde, porque eu sei que nada é possível fazer para conseguir qualquer coisa. Sendo assim, não tento nada, fico na minha. Tentar me arrumar para quê? Para enganar os outros com coisas falsas? Tentar ser educada, simpática, gentil, para quê, se só estão olhando se estou acima ou abaixo demais do peso?

Sendo assim, eu não tenho coragem de abordar um rapaz que realmente me interesse porque eu sou feiosa e, veja, como ele vai me notar, se eu sou tão feia, né? Como eu sou feia, me abstenho de tentar conquistar uma pessoa, porque não tem mais nada a fazer, porque a gente é o que é. O cara me olha e pensa: essa aí, se eu tomar umas, talvez eu pegue, caso nada melhor caia na rede. E dessa forma, vou gostando de caras lindos que nunca vão estar ao meu alcance, ou de caras normais que eu não sei se estão porque eu não vou falar com eles para tentar ver isso. Não é fantástico explicar o mundo de maneira simplista, poder terceirizar as próprias responsabilidades, não ter de fazer nada a respeito e ainda poder ficar quietinha, covardemente, no meu canto, me consolando com as migalhas, olhando o mundo com amargura e vendo a vida passar e nada acontecer?

É, é muito fácil ficar escondida atrás de um complexo. E sabe quando eu vou conseguir sair detrás dele, depois de 35 anos convivendo com essa desculpa perfeita para não viver? É, pois é...

Um comentário:

Marcio disse...

Bem, sou assim também. e esse complexo me mata... o q podemos fazer ne ?