terça-feira, 7 de outubro de 2008

De volta à estação

Estive no colégio onde fiz o segundo grau hoje. De bobeira mesmo, era meu rodízio e não tinha trânsito, precisei estacionar para esperar dar as 10h e pensei em ver como estava o colégio. Mudou pouco. Cortaram algumas árvores do lado esquerdo e no estacionamento dos professores. Mudaram as cortinas tom pastel para azul escuro. O povo continua olhando pela janela e gritando com os colegas lá embaixo, no pátio. E continua jogando a cortina por cima da janela, de modo que o tecido fica pendurado do lado de fora da sala de aula. Os muros continuam com grafites. A placa com o nome da escola me pareceu ser a mesma de 19 anos atrás. Mas tiraram a lixeira que ficava na esquina.

Puxa, faz quase 20 anos que eu estive lá e parece que foi ontem que prestei vestibulinho para estudar naquele colégio, na época um dos melhores da Zona Leste entre as escolas públicas. É só aula do segundo grau lá. Só aborrecentes. Eu queria muito passar e estudar ali. Sonhava em estudar na USP ou numa boa universidade paga, que meus pais tivessem condições de bancar, claro. Pensava em ser engenheira civil em 1989, antes de começar a estudar lá. Era fã da Madonna em 1989. Tinha como grande paixão uma única pessoa, um rapaz que já não via mais, se afastou da minha família. Nunca havia namorado. Nem beijado na boca. Não ia em danceterias. Não tinha amigos. Nem havia trabalhado fora, eu só estudava.

Em 1989, o Senna era vivo. Já curtia muito ele. Mas ainda colecionava coisas da Madonna. Em 1989, minha avó era viva, meu tio Enir era vivo, meu primo Edson era vivo. Eu não conhecia o Marcelo em 1989... E ele ainda era vivo. Em 1989, eu entrei no colégio, pensando que passaria três anos ali, e que nesses três anos teria de definir minha vida inteira. Que profissão seguir? Quanto eu tinha de aprender para ter essa profissão? O que eu ia ser quando eu crescer? Estava ali, em 1989, pensando que essa resposta seria definida naqueles três anos.

Em 1989, comecei a ir nas baladinhas. Toco, Contra-Mão. Dançava house. Não beijei na boca nem arrumei namorado. Mas me apaixonei perdidamente pelo Marcelo, o menino mais bonito da escola, e não consegui falar nem oi para ele em 1989. Quando o fiz, em 1990, ele tinha saído da escola e me esnobou. Três meses depois, ele morreu em um acidente de moto. Passei o resto do tempo no colégio querendo sair de lá, tudo me lembrava dele. Foi um sofrimento. Em 1990, tive de usar aparelho. Em 1991, perdi minha avó. Mas consegui ver o Senna pessoalmente, duas vezes, o que compensou o ano.

Bem, eu me formei em 1991. De engenheira, vi que não tinha nada, meu negócio era Humanas. Passei no vestibular. Mas não na USP. Me formei na faculdade. Tenho uma profissão que todos os que não a exercem acham legal. Tem prestígio. Podia pagar melhor, mas eu vivo bem. Comprei meu carro, minha casa. Tenho minha vida independente, como eu sonhei quando criança, idealizei quando cheguei em 1989 naquele colégio.

E hoje, parada na porta, vendo as salas onde estudei, pensando no Marcelo, que não sobreviveu ao percurso, em todos que ficaram para trás, em todos os planos que fiz olhando para aquelas janelas... Vendo que realizei a maioria deles... simplesmente fiquei triste. E chorei. Eu sou exatamente o que queria ser, exatamente o que planejei em 1989. E não me senti feliz. E fiquei mais triste ainda por não me sentir feliz e grata pelo que sou e pelo que tenho. E tão perdida e com medo como estava em 1989.

Senti que estava sentada numa estação de trem, esperando por ele, e que ele passou, mas eu não embarquei. Fiquei para trás. E ali, de frente ao meu colégio, sentei novamente nessa estação, vendo uma paisagem vazia, empoeirada, triste, velha, sem vida. Vi o Marcelo, de óculos escuros, no carro do pai, parado na porta e fazendo pose. Lembrei de alguns professores, inspetores, da cantina da escola, da moda de chupar pirulito e comer doce de amendoim. Vi as minhas amigas e amigos. A Telma, cabulando aula, para sair com um soldado do Exército. Regiane, Ionara, Alessandro - o amigo fofo do Marcelo -, a Andréia, as meninas do fundão, de quem não lembro o nome, só que eram fãs do U2. Simone, Adriana, Patrícia, Andréa, Douglas, Olga, Alexandre... tanta gente passou e nunca mais soube de nenhum deles.

Infelizmente, o meu sonho de voltar naquela estação para pegar aquele trem não se converteu em realidade. Eu continuo procurando essa sensação de que posso reviver as coisas, mas não consigo. Algumas músicas, alguns lugares, perfumes, alguns dias quentes e chuvosos quase me levam até essa estação, onde eu estarei na porta do colégio, prestando vestibulinho e pensando que tinha uma vida toda pela frente para viver, para construir, pensando no mistério que era a resposta à pergunta sobre que tipo de pessoa eu seria aos 30 anos, que tipo de vida eu teria aos 30 anos. Agora, que eu sei a resposta, não consigo não chorar, mesmo tudo tendo sido como o planejado, mesmo eu tendo sofrido muito pouco nessa vida, mesmo eu tendo uma vida muito boa. Estou tão triste com tudo... e não sei porquê.

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