Foi coisa de um ou dois segundos... Um cruzar de olhos na esquina, cada um dentro do seu carro. Eu esperava para entrar na avenida, ele vinha com seu carro no sentido contrário para entrar na rua onde eu estava parada, aguardando que ele passasse na minha frente e que o ônibus parado no ponto na avenida saísse, para me dar visão do sentido oposto. Ele virou, entrou e ao passar do meu lado, me olhou. Eu já estava olhando para esse lado. Cruzamos a vista, ele estava de cara feia e parecia ter me fuzilado. Será que eu estava com o carro muito no meio da rua? Não, oras, até caminhão entrava ali!
Eu fiquei parada, olhando seu carro subir a rua, disse um "uau" para mim mesma, e esqueci que estava aguardando para entrar na avenida. Me pegou de surpresa aquele olhar, não sei bem porquê. Quer dizer, foi um olhar que veio do nada, inesperado, eu nem esperava encontrar alguém conhecido aquela hora da madrugada, e um olhar daqueles breves, mas profundos, claros, que deixa você sem saber o que fazer, te congela.
Agora estou com ele na minha cabeça e lembrando de outras raras vezes que a gente se pegou um olhando pra cara do outro. Olha, para ser bem honesta, não sei nem se o dono do olhar é quem eu penso que é. Perguntei pra mamãe sobre o carro dele, para ver se é mesmo quem eu imagino que seja. Minha carência atingiu um pico da altura do Himalaia e, nessas condições, toda a racionalidade vai pro espaço e eu começo a ver e imaginar coisas.
Mamys ficou de checar qual o carro do moço. Comentei assim, como quem não quer nada: "mã, eu estava na esquina esperando para entrar na avenida e o Ricardo - acho que era ele - entrou do outro lado e me olhou tãaaaaaaaaaaaaaaaoooo feio que achei melhor ir pedir desculpas, ou ele vai me prender por atrapalhar o trânsito na rua! rsrsrs O carro dele é um Celta cinza?" Ela não sabia, mas não entende de modelo de carro, então vai xeretar na garagem, quando passar na frente da casa dele. Que feio isso, né? Mamy não é boba, sabe que se ele desse brecha, eu embarcava no camburão e ia pra cadeia com ele! E como ela sempre gostou do menino, aprovou meu interesse... hehehehe
Bem, sendo Ricardo ou não, eu fiquei com Ricardo e seu olhar feio na cabeça. Na verdade, já estava pensando nele esses dias pelo fato de mamys ter me contado que o moço estava solteiro novamente. Tinha ido morar com a namorada, mas a menina queria comprar um apê para ela e não contribuía com nada nas contas da casa, além de jogar suas compras pessoais - presente para amigas, calça para ela etc - no cartão dele. Ele se encheu e resolveu cuidar da própria vida.
Ricardo é um moço lindo - o dia que me virem falando com interesse de um moço feio, me internem ou rezem, porque o mundo está acabando. Eu não sou modesta quanto a homem, gosto sempre do mais bonito, mesmo sendo eu de uma beleza equivalente ao lado avesso das Giseles e Cicarrellis da vida. É sou superficial também, adoro embalagens.
Mas voltando ao tema R. O menino mudou pra rua da mamys quando éramos criança. Deve ter uns dois anos a menos que eu. Logo que chegou, foi um furor na rua. As meninas, mesmo ainda crianças, já se assanharam. As duas Patrícias - uma delas, conhecida por ser na época a mais bonita do bairro - aquela imbecil da Soninha, acho que até Márcia e Marisa... todas as meninas, praticamente, se interessaram pelo moleque. Moreno, pele jambo, olhos verdes, cabelos castanhos claros, magro e alto. Tudo de bom, desde criança.
O menino era poderoso. A outra Patrícia, por exemplo, era doida por ele: mandava carta, bilhete, o diabo. Disse que se não o namorasse até completar 15 anos, ia virar freira. E ele nunca ligou pra ela, apesar de eu ter tentando até fazer um pequeno lobby a favor da menina. Não lembro como e nem o que o Ricardo disse, mas ele cortou a história, apesar de se sentir bem em ver uma menina tão doida por ele. Lembro vagamente dele sorrir quando falei sobre ela com ele, brevemente.
Ricardo estava numa fase moleque, não tinha idade nem vontade de namorar. Ele sempre foi fechadão e quieto, caladão mesmo. Brincava pouco com a gente, não era de papo. Estudava, nunca deu trabalho para os pais, sempre foi bastante sério e responsável. Me identificava com ele, mas não tinha como sermos amigos. Por meu irmão ser amigo dele, ainda consegui arrancar uma ou duas palavras do menino. Mas também não me joguei. Se nem as belas tiveram chance, imagine eu, magrelinha e CDF, tímida e sem muito o que contar de interessante... Então, apesar de uma brincadeira ou outra de duplo sentido, nada ficou explícito para ele e eu deixei o interesse que mal tinha aflorado morrer. Eu também era muito criança e ia acabar estragando a amizade dele com meu irmão.
Tinha orgulho por ser a única que conseguia, na brincadeira de pega-pega ou rouba bandeira ou duro ou mole (cada nome dúbio esse das brincadeiras, não?), pegar os meninos que corriam mais: Serginho, Cesar e Ricardo. E podia acompanhá-los na bicicleta e me desviar das inevitáveis fechadas. Mas na bicicleta, só andava em companhia do Sergio e do Cesar, o Ricardo era de sair pouco na rua. Foi assim de moleque, cresceu e continuou assim, reservado. Com o tempo, cada um foi para o seu lado e perdi o contato com todos eles. Inclusive os esparsos contatos com o Ricardo.
Eu sempre tive uma cisma com ele de que me olhava feio, bravo. Vez ou outra eu o vejo na rua da mamys e olho, confesso, com olhar de cobiça. Se ele se dá ao trabalho de olhar, sempre está com cara fechada e olha feio. Minha mãe diz que ele é assim, olha feio pra todo mundo. Acho que deve ser mesmo. Vai ver que é por isso que virou policial. Dizem que um bom policial. Pelo menos, não está metido em corrupção, porque o padrão de vida dele e da família mudou pouco.
Ai, ai, se eu fosse corajosa, podia falar para ele que cara feia pra mim é fome... E perguntaria, com uma piscadinha: Ricardo, você tem fome de quê? rsrsrsrs
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Um comentário:
hehehe. se eu fosse vc arriscaria a pergunta...
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