quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Carta ao Fulano

Caro Fulano:

Sei que você é muito próximo a mim, admiro sua consideração para com a minha pessoa e que me considere tão amiga sua. Mas, caro amigo de tantos anos, pare de ficar questionando minha opção de ser sozinha, de não querer casar, namorar, ter filhos. Se você se sente sozinho, lamento por ti. Mas não é o meu caso. Não, não continue tentando descobrir que tipo de homem me atrai e tentando se enquadrar nesse tipo, porque eu sei que você não o é, e que está sendo falso. Detesto falsidade. E sendo fraco, porque quer se adaptar a um modelo para atrair minha atenção. Detesto gente fraca. Pare de tentar bancar um cafa, porque eu gosto de cafas, usando linguajar que não é do seu repertório. Pare de tentar descobrir se gosto de homem magro, jovem, me questionando se beltrano ou ciclano fazem meu tipo.

Entenda que uma pizza aqui e um saída acolá para conversar é legal. Mas eu gosto mesmo é de ficar na minha casa, quieta, no meu canto, sem me lamentar porque não tem um moço ali. Sem ter de seguir a cartilha de moça-formada-profissional bem-sucedida-agora-precisa-casar-e ter filhos. Nunca achei que ia estudar e me formar e trabalhar e juntar minha grana para depois me casar. Fiz tudo por mim e pelos meus pais.

Fulano, perceba e acredite nisso: sou uma pessoa insuportável no dia-a-dia. Tem problema que eu quero contar, tem dia que eu quero matracar. E tem hora que quero ficar quieta, simplesmente porque quero, não há motivo especial, não quero conversar com ninguém. E não quero explicar porque quero ficar quieta e isolada.

Não quero que mudem minha TV do canal 44, a Warner, onde estão meus seriados preferidos. Nem se for para botar no National, como, você, Fulano, fez, achando que estava agradando porque mostrou que tinha conteúdo e se importa comigo, presta atenção em mim, porque eu estudo Geografia e seria natural que eu gostasse do canal... Recebeu merecida resposta quando comentou, DEPOIS DE MUDAR O CANAL DA MINHA TV SEM ME PEDIR ANTES, que eu devia assistir sempre o National. Lembra do que eu te disse: "Na verdade, quase não vejo esse canal. Gosto de vê-lo quando estou com meu pai, porque a gente fica comentando os assuntos dos documentários..." Entendeu, filho? Você tava tentando fazer algo que eu faço com meu pai, captou a mensagem?

Eu também não quero deixar de lavar calcinha no box do banheiro, com água quente, durante o banho. Nem ficar neurótica guardando as roupas que eu sempre boto na cadeira, para arrumar depois no armário. Não quero me preocupar em ir ao supermercado porque não tem nada para comer em casa. Não quero terminar de comer e já ir para a pia lavar louça porque louça suja incomoda. A mim, não incomoda. Não quero ficar limpando e deixando tudo em ordem porque, você, Fulano, vai em casa (e você, Fulano, é um ser metodicamente entediante e chato).

Não quero trocar minha cama, que é pequena e presente de aniversário dos meus pais quando fiz 15 anos, para caber uma pessoa ao meu lado (especialmente uma que eu não tenho vontade, sequer, de dar um selinho, que dirá um beijo na boca, e que dirá dormir junto....) Eu não quero tirar as fotos do Ayrton espalhadas pela minha casa. Nem deixar de ir vê-lo no Morumby quando me der vontade porque alguém, como você, Fulano, acha que é maluquice minha gostar de um cara famoso, rico, e que já faleceu. Eu sei que é maluquice e não pretendo mudar em nada. Os incomodados que se mudem!

Não quero ficar procurando o porquê das coisas, não quero ficar pensando se falta alguma coisa na minha vida toda vez que tenho um piti, não quero me controlar, por favor, como você, Fulano, me recomendou outro dia, quando eu tive um acesso de raiva em casa pelo legítimo motivo do meu vizinho estar fazendo um barulho infernal.... Não quero deixar de masclar chiclete, de falar palavrão, de usar blusas decotadas, sem costas, calças justas, de abraçar meus amigos e dançar no meio do povo porque os homens ficam olhando e alguém está com ciúme. Não quero deixar de ir nas festas árabes, nem ter de consultar alguém quando, no meio de um sábado, decido pegar meu carro e ir para a praia. Quero pegar o carro e ir. Não quero perder um fim de semana com meu sobrinho lindo para gastá-lo com você. Não quero deixar de passar Natal e Ano Novo com minha família porque alguém quer viajar ou porque o justo é passar um dia das festas de fim de ano com a minha família e o outro com a sua.

Não quero lidar com ex mulher, filhos aborrecentes, porque não gosto de aborrecentes, como não gosto de crianças - por isso, não quero filhos. E não quero alguém que fique toda hora me perguntando "você não quer filhos?" com cara de bobo, como quem pensa: "que estranho, não é possível que ela não queria filhos, sendo tão apegada à família". Não quero ninguém me enchendo porque o sofá está cheio de pêlo das minhas cachorras, porque elas podem entrar, sim, em casa. Não quero ter de ficar administrando minha agenda para marcar as coisas que eu gosto de fazer em horários diferentes porque alguém quer me ver. Não quero ninguém enchendo meu saco dizendo que eu não abro mão de nada, nem me cobrando que sou uma pessoa cheia de compromissos e não tenho tempo para ele, como você, Fulano, que não é nada mais que meu amigo, já faz comigo hoje com sua famosa frase em que cada palavra grita "estou carente": "você, querida amiga, será que poderia, por favor, abrir um espacinho, pequenininho mesmo, em sua agenda cheia de compromissos sociais para seu pobre amigo aqui?" E imagine com uma namorada, o que, você, Fulano, não deve fazer?

Fulano, desculpe a grosseria, a falta de sensibilidade, a crueza das palavras, as críticas. Mas para saúde da nossa amizade, Fulano, pare de tentar me conquistar. Mostrar que tem sardas nas costas como meu amado Ayrton, quando eu comento que adoro as sardas do Ayrton, ou que gosta das mesmas coisas que eu, ou que se sente, vez ou outra, da mesma forma que eu me sinto.... Achar que fico deslumbrada porque você viaja e conhece o mundo, come do bom e do melhor, tem amigos importantes... Me convidar para viajar com você, sabendo que eu não gosto de viajar, e sempre ressaltando que posso ficar em um quarto diferente do seu ou que você já dividiu quarto com amigas de trabalho sem nada ter acontecido, insinuando que eu posso dormir com você que nada ocorrerá, mas já trabalhando com a hipótese de dividirmos quarto... Me chamar para passar a noite na sua casa na serra, quando eu moro há 30 minutos dela, só porque o mais legal é dormir lá... Me poupe disso tudo, desse papinho furado, não cola, não me impressiona.

Ficar forçando e esperando que um dia euzinha aqui abra meus olhos castanhos e pense que você é o homem da minha vida não vai te levar a lugar nenhum. Ficar me elogiando, dizendo que estou bonita umas vinte vezes, mesmo quando estou usando um colete velho de mais de 10 anos de vida, calça larga de dança, chinelo de dedo e cabelo totalmente despenteado e embaraçado não vai me comover. Dizer que eu sou uma pessoa muito madura não vai me fazer querer ficar com você - até porque não sou muito madura, graças a Deus tenho muito o que crescer ainda. Tudo isso, Fulano, fará apenas com que a nossa amizade, que estava funcionando muito bem, se desgaste. E amigos, Fulano, não achamos em qualquer esquina.

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